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01/01/2001 - 05h13

Prefeito assume cidade abandonada

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ANDRÉA MICHAEL, da Folha de S.Paulo

É fácil localizar a sede da Prefeitura de Palmeira dos Índios. "É aquele prédio azul, com um urubu em cima", indicam os transeuntes. O urubu é, na verdade, uma águia branca. Mas a analogia entre o pássaro negro e a má-sorte que paira sobre a cidade não poderia ser mais sugestiva.

Situada a 135 quilômetros de Maceió, na divisa com Pernambuco, Palmeira dos Índios tem dívidas que somam R$ 17,7 milhões. A situação dos 1.790 funcionários municipais é dramática: 22 folhas de pagamento penduradas -e sem previsão de recebê-las.

"Meu compromisso número um é pagar em dia os funcionários, de janeiro em
diante", diz o prefeito Albérico Cordeiro (PTB), que assume hoje o mandato.

O passivo são outros quinhentos. Ou melhor, cabem a outros prefeitos, começando por Maria José de Carvalho Nascimento.

A juíza Sônia Brandão chegou a determinar o bloqueio da conta da prefeitura no dia 27 de dezembro. Mas a decisão foi derrubada pelo Tribunal de Justiça, que liberou o dinheiro condicionando sua utilização ao pagamento das folhas devidas.

"Essa decisão do Tribunal não me foi comunicada. Só sei que ela (Maria José) já sacou o dinheiro em Maceió."

A prefeita teria sacado R$ 80 mil na boca do caixa em Maceió. Mas até o dia 30 de dezembro não havia registro de pagamento ao funcionalismo.
"Ela cumpriu a lei: pagou aos parentes que contratou", diz Cordeiro. A Folha apurou que a prefeita emprega pelo menos nove funcionários com os quais tem algum tipo de parentesco.

A casa de Maria José na avenida Salu Branco está fechada. Alípio de Carvalho, tio e vizinho da ex-prefeita, disse à Folha que ela está em Maceió. "Parentes e advogados recomendaram-lhe que não voltasse agora para evitar sofrer ameaças de funcionários."

Terceira maior cidade do Estado de Alagoas, Palmeira dos Índios é um município pobre. Vive dos R$ 500 mil mensais que recebe do Fundo de Participação dos Municípios. Cerca de 35% dos seus 68 mil habitantes vivem na zona rural. Produzem feijão, arroz e mandioca para trocar nas feiras de rua de quarta e sábado por porcos, galinhas e bodes.

As precárias ofertas de emprego incluem o frete de mercadorias transportadas em carrinhos de mão. De acordo com o percurso, a corrida custa de R$ 1 a R$ 3. Os meninos suam, param, mas para o cliente sai mais barato do que contratar o lombo de um burro: de R$ 5 em diante.

O lixo se acumula pelas ruas. A prefeitura deve à companhia de energia R$1,6 milhão e R$ 1,5 milhão à de saneamento. Outros R$ 3,2 milhões estão comprometidos com precatórios e R$ 3,7 milhões com o INSS. O levantamento foi feito pela equipe que assume a administração municipal hoje.

Das 22 folhas pendentes, 10 foram acumuladas na gestão de Maria José. As demais, na de seu antecessor, Helenildo Ribeiro.

Ironia do destino que tudo isso esteja acontecendo na cidade onde nasceu o que se pode chamar de embrião da nova lei: os "Relatórios", escritos por Graciliano Ramos.

Prefeito de Palmeira dos Índios em 1928 e 1929, o autor de "Vidas Secas" e "Memórias do Cárcere" dá mostras de por que ficou conhecido por ser um administrador rígido ao relatar, num balanço completo, receitas, despesas, valores transferidos de um ano a outro.

Os "Relatórios" se transformaram no passaporte de Ramos para a vida de escritor e até hoje são lembrados como obra literária em Palmeira dos Índios. Mas a essência do que o então prefeito pregava naqueles escritos parece ter sido esquecida na cidade.
 

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