Publicidade
Publicidade
19/08/2001
-
02h47
GABRIELA ATHIAS
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S. Paulo
Diariamente, um jovem atendido pelo Programa de Liberdade Assistida da Febem, no Estado de São Paulo, comete novo crime e vai para o sistema penitenciário.
A quantidade de adolescentes nessa situação aumentou 119% em todo o Estado entre maio de 2000 e maio deste ano, enquanto a população atendida pelo programa cresceu 70,2%.
Pelo que mostram os números, 397 ex-internos viraram presidiários no Estado nesse período.
Os dados constam do último relatório interno da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), obtido pela Folha, e reforçam a tese, defendida por representantes do Ministério Público e de entidades defensoras dos direitos humanos, de que a instituição funciona como uma espécie de "escola do crime".
Esses adolescentes saem das unidades fechadas da Febem para o sistema aberto, geralmente perto de completar 18 anos ou da data em que se tornarão penalmente responsáveis.
Se um adolescente, ainda menor de idade, cometer novo crime durante o período de liberdade assistida, volta para uma das unidades fechadas da Febem. Se for maior de idade, vai direto para o sistema penal. É justamente isso o que está acontecendo.
Aqueles que escapam da rotina de prisão costumam dever sua sorte à família e à qualidade do Programa de Liberdade Assistida ao qual estão ligados.
Assim que saiu da Febem, cinco meses atrás, M., de 18 anos, foi "intimado" pelo chefe do tráfico local a pagar pela arma que tinha emprestado e que perdera quando a polícia o prendeu num assalto. "Ou pagava ou voltava para o tráfico", conta M. "Meu pai arrumou R$ 450 e pediu que me deixassem em paz."
Sem trabalho, M. é um dos 90 "infratores" em liberdade assistida acompanhados pelo Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) de Sapopemba, zona leste da cidade.
O Programa de Liberdade Assistida é uma alternativa considerada progressista para ressocializar o adolescente infrator dentro da sua comunidade, fazendo um contraponto ao sistema das unidades fechadas da Febem.
A idéia de tratar jovens infratores em meio aberto é defendida por entidades de direitos humanos, especialistas e juízes.
O programa cresceu muito em São Paulo. Até maio de 2000, 9.814 adolescentes participavam do programa na capital e na Grande São Paulo. Em maio passado, esse número havia saltado para 18.380.
O problema é que, para funcionar, o programa precisa ter uma estrutura que garanta ao adolescente atendimento personalizado e constante; acesso à escola; trabalho e apoio familiar, o que não ocorre com muita frequência.
Para ter uma idéia, os quatro postos do programa na capital atendem, em média, 2.700 jovens. Cada técnico é responsável, em média, por 80 adolescentes.
Falta tempo
Itamar Batista, da Fundação Abrinq, que financia cinco projetos alternativos de liberdade assistida e que defende essa forma de lidar com adolescentes infratores, diz que, em razão da grande quantidade de jovens nos postos do governo, o acompanhamento aos meninos fica prejudicado.
"Nenhum técnico tem tempo de ir à casa do menino para comprovar se ele está bem ou está em dificuldades", diz Batista. "A equipe acaba fazendo o relatório com base no que ele conta no posto."
Para Valdênia Aparecida, do Cedeca de Sapopemba, a liberdade assistida é a melhor alternativa para adolescentes infratores, mas esbarra na falta de políticas públicas para os jovens em geral.
Isso, segundo ela, significa que faltam programas de incentivo ao primeiro emprego e locais de lazer públicos. "Os problemas desses adolescentes são semelhantes aos enfrentados por outros jovens da periferia", diz Valdênia.
O padre Júlio Lancelloti, que há dez anos coordena um dos 16 programas alternativos de liberdade assistida comunitária (com índices reduzidos de mortes de jovens e de reincidência no crime) diz que esse tipo de adolescente precisa de acompanhamento diário e de ter uma relação de confiança com a equipe do programa.
Quando o adolescente não é acompanhado "de perto", explica o padre Júlio, é mais fácil que acabe voltando ao crime.
Nos programas comandados pela sociedade civil, há um monitor, em média, para 25 adolescentes. Além disso, as instituições fazem parcerias com universidades, escolas e empresas e conseguem ampliar o montante investido nos adolescentes e a quantidade de serviços que lhes é oferecido.
A Febem repassa para as instituições R$ 60 mensais a cada menino atendido. "Isso não é o suficiente", dizem Valdênia e o padre Júlio, que mantêm parcerias para aumentar esse valor.
"Nossa maior luta é encontrar trabalho para esses adolescentes", diz o padre Júlio. "Temos que construir neles o sentimento da esperança perdida."
Leia mais
Falta perfil psicológico de menor, diz estudo
Menor roubou batata frita e acabou na cadeia
Retorno à sala de aula é tarefa difícil
Acolhimento inicial é pior problema
Liberdade assistida é a "a fase do perigo"
Em Sapopemba, 83% não voltam para o crime
Violência diminuiu, admite Ministério Público
ONG evita volta à criminalidade
A cada dia, 1 ex-interno vai para a prisão
Publicidade
AURELIANO BIANCARELLI
da Folha de S. Paulo
Diariamente, um jovem atendido pelo Programa de Liberdade Assistida da Febem, no Estado de São Paulo, comete novo crime e vai para o sistema penitenciário.
A quantidade de adolescentes nessa situação aumentou 119% em todo o Estado entre maio de 2000 e maio deste ano, enquanto a população atendida pelo programa cresceu 70,2%.
Pelo que mostram os números, 397 ex-internos viraram presidiários no Estado nesse período.
Os dados constam do último relatório interno da Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor), obtido pela Folha, e reforçam a tese, defendida por representantes do Ministério Público e de entidades defensoras dos direitos humanos, de que a instituição funciona como uma espécie de "escola do crime".
Esses adolescentes saem das unidades fechadas da Febem para o sistema aberto, geralmente perto de completar 18 anos ou da data em que se tornarão penalmente responsáveis.
Se um adolescente, ainda menor de idade, cometer novo crime durante o período de liberdade assistida, volta para uma das unidades fechadas da Febem. Se for maior de idade, vai direto para o sistema penal. É justamente isso o que está acontecendo.
Aqueles que escapam da rotina de prisão costumam dever sua sorte à família e à qualidade do Programa de Liberdade Assistida ao qual estão ligados.
Assim que saiu da Febem, cinco meses atrás, M., de 18 anos, foi "intimado" pelo chefe do tráfico local a pagar pela arma que tinha emprestado e que perdera quando a polícia o prendeu num assalto. "Ou pagava ou voltava para o tráfico", conta M. "Meu pai arrumou R$ 450 e pediu que me deixassem em paz."
Sem trabalho, M. é um dos 90 "infratores" em liberdade assistida acompanhados pelo Cedeca (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente) de Sapopemba, zona leste da cidade.
O Programa de Liberdade Assistida é uma alternativa considerada progressista para ressocializar o adolescente infrator dentro da sua comunidade, fazendo um contraponto ao sistema das unidades fechadas da Febem.
A idéia de tratar jovens infratores em meio aberto é defendida por entidades de direitos humanos, especialistas e juízes.
O programa cresceu muito em São Paulo. Até maio de 2000, 9.814 adolescentes participavam do programa na capital e na Grande São Paulo. Em maio passado, esse número havia saltado para 18.380.
O problema é que, para funcionar, o programa precisa ter uma estrutura que garanta ao adolescente atendimento personalizado e constante; acesso à escola; trabalho e apoio familiar, o que não ocorre com muita frequência.
Para ter uma idéia, os quatro postos do programa na capital atendem, em média, 2.700 jovens. Cada técnico é responsável, em média, por 80 adolescentes.
Falta tempo
Itamar Batista, da Fundação Abrinq, que financia cinco projetos alternativos de liberdade assistida e que defende essa forma de lidar com adolescentes infratores, diz que, em razão da grande quantidade de jovens nos postos do governo, o acompanhamento aos meninos fica prejudicado.
"Nenhum técnico tem tempo de ir à casa do menino para comprovar se ele está bem ou está em dificuldades", diz Batista. "A equipe acaba fazendo o relatório com base no que ele conta no posto."
Para Valdênia Aparecida, do Cedeca de Sapopemba, a liberdade assistida é a melhor alternativa para adolescentes infratores, mas esbarra na falta de políticas públicas para os jovens em geral.
Isso, segundo ela, significa que faltam programas de incentivo ao primeiro emprego e locais de lazer públicos. "Os problemas desses adolescentes são semelhantes aos enfrentados por outros jovens da periferia", diz Valdênia.
O padre Júlio Lancelloti, que há dez anos coordena um dos 16 programas alternativos de liberdade assistida comunitária (com índices reduzidos de mortes de jovens e de reincidência no crime) diz que esse tipo de adolescente precisa de acompanhamento diário e de ter uma relação de confiança com a equipe do programa.
Quando o adolescente não é acompanhado "de perto", explica o padre Júlio, é mais fácil que acabe voltando ao crime.
Nos programas comandados pela sociedade civil, há um monitor, em média, para 25 adolescentes. Além disso, as instituições fazem parcerias com universidades, escolas e empresas e conseguem ampliar o montante investido nos adolescentes e a quantidade de serviços que lhes é oferecido.
A Febem repassa para as instituições R$ 60 mensais a cada menino atendido. "Isso não é o suficiente", dizem Valdênia e o padre Júlio, que mantêm parcerias para aumentar esse valor.
"Nossa maior luta é encontrar trabalho para esses adolescentes", diz o padre Júlio. "Temos que construir neles o sentimento da esperança perdida."
Leia mais
Publicidade
As Últimas que Você não Leu
Publicidade
+ LidasÍndice
- Sem PM nas ruas, poucos comércios e ônibus voltam a funcionar em Vitória
- Sem-teto pede almoço, faz elogios e dá conselhos a Doria no centro de SP
- Ato contra aumento de tarifas termina em quebradeira e confusão no Paraná
- Doria madruga em fila de ônibus para avaliar linha e ouve reclamações
- Vídeos de moradores mostram violência em ruas do ES; veja imagens
+ Comentadas
- Alessandra Orofino: Uma coluna para Bolsonaro
- Abstinência não é a única solução, diz enfermeira que enfrentou cracolândia
+ EnviadasÍndice