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24/01/2002 - 05h30

Plano de segurança deve focar polícia, afirma ministro

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MARTA SALOMON
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Nem prisão perpétua nem o uso das Forças Armadas na repressão ao crime. Para o ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, o caminho para conter a criminalidade no país é combater a corrupção na polícia e fazê-la funcionar. "O que resolve é polícia eficaz", diz.

A receita já consta do Plano Nacional de Segurança Pública, lançado pelo governo em 2000. Nunes Ferreira afirma que não falta dinheiro federal para a segurança, mas acredita que haja medidas demais no plano, o que lhe tiraria o foco. Algumas não saíram do papel, como a proibição da venda de armas. Outras propostas, como a unificação das polícias, não vingarão neste governo, avalia. A seguir, a entrevista concedida à Folha na tarde de ontem.

Folha - O presidente Fernando Henrique Cardoso disse torcer para que o assassinato do prefeito Celso Daniel não seja crime político. Há fatos que sustentem essa torcida?
Aloysio Nunes Ferreira -
Não há. A Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar a eventualidade de crime político. É uma hipótese que não descartamos. Seria realmente dramático que você tivesse no Brasil um grupo extremista atuando com violência política, eu espero que isso não esteja acontecendo. O fato concreto é que existe gente mandando e-mails, cartas de ameaças. A maioria delas, ao que se sabe, tem origem no Estado de São Paulo. Se são extremistas de direita, de esquerda, se são fanáticos de alguma crença, se são simplesmente dementes, não se sabe.

Folha - Depois do encontro com o presidente, o pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva disse que o crime organizado tem ramificações na política, na economia, na polícia e no Judiciário. O sr. vê esse cenário de "colombização" do Brasil?
Nunes Ferreira -
Não creio. Aqui você tem instituições que funcionam. Eu acho que existe crime organizado em algumas modalidades que exigem lavagem de dinheiro, estrutura logística complexa e proteção institucional.

Mas eu acho que o crime que atormenta o dia-a-dia da população brasileira é o crime desorganizado, cometido por pequenas quadrilhas que se armam e desarmam circunstancialmente. O crime organizado pode ser desarticulado quando você o atinge na cabeça, como a Itália fez com a máfia. O crime desorganizado é mais difícil.

Folha - No Plano Nacional de Segurança Pública que o governo lançou em 2000 há algumas medidas que não saíram do papel. É o caso da proibição de venda de armas. Antes de pensar em proibir a venda de celulares pré-pagos, o governo não deveria insistir em proibir a venda de armas, alvo de pesado lobby no Congresso?
Nunes Ferreira -
O governo não desistiu. Independentemente da proibição das armas, que é o nosso objetivo, queremos aperfeiçoar o sistema nacional de armas para punir quem porta armas adulteradas. Também estamos trabalhando em projetos que têm resultado direto na celeridade das investigações e em algumas medidas como a possibilidade de restringir determinados direitos de presos perigosos, desde que não sejam direitos fundamentais.

Folha - A unificação das polícias vai ficar para o próximo governo?
Nunes Ferreira -
Vai. Eu acho realisticamente que neste último ano de governo, a julgar pelas resistências que esse projeto enfrenta, será muito difícil aprovar e implementar isso. O que nós temos de curto prazo é o entrosamento entre as polícias, para que possam trocar informações, para que possam ter um planejamento operacional conjunto. Quanto à unificação, há resistência de natureza corporativa e doutrinária. Eu acho mais próxima a possibilidade de aprovar a (proibição de) venda de armas.

Folha - O que o governo pretende ao propor a indisponibilidade de bens do sequestrador? Não faz mais sentido bloquear os bens do sequestrado, como fez a Itália?
Nunes Ferreira -
Eu não tenho segurança quanto a isso. Isso talvez possa, em vez de diminuir o número de sequestros, aumentar ainda mais o número de sequestros não comunicados à polícia. E com isso abre-se o campo para negociadores privados, para a articulação de sequestradores com grupos criminosos.

Abre-se um espaço enorme para a informalidade das negociações, quando é necessário pôr a polícia nas negociações.

Folha - A proibição de venda dos celulares pré-pagos será mesmo substituída pelo cadastramento dos aparelhos?
Nunes Ferreira -
Há quase 20 milhões de celulares em circulação, não há como cadastrar, mas o presidente pediu para estudar isso. O celular pré-pago pode ser rastreado, o problema é que as empresas telefônicas não têm plantões com técnicos habilitados para a quebra do sigilo telefônico. Isso foi discutido no Planalto. A determinação é que as empresas coloquem plantões à disposição da polícia também nos fins de semana.

Folha - O que o sr. acha da prisão perpétua, proposta por parte do PT para os assassinos de Celso Daniel?
Nunes Ferreira -
A minha opinião é que prisão perpétua não resolve. O que resolve é polícia eficaz, capaz de investigar corretamente, de descobrir os autores dos crimes, para que não haja impunidade. Além disso, o Congresso não pode sequer discutir a adoção de pena de morte, fora a hipótese prevista pela própria Constituição, que é em caso de guerra, nem penas de caráter perpétuo, cruéis ou degradantes. É uma cláusula que o Congresso não pode mexer. Prisão perpétua é uma questão desfocada do ponto de vista constitucional e do ponto de vista de sua eficiência.

Folha - O governo também descarta o uso das Forças Armadas na repressão ao crime?
Nunes Ferreira -
As Forças Armadas já têm o que fazer, elas não são preparadas para isso, está fora da missão constitucional delas. A experiência da Operação Rio (em 1994, no Rio de Janeiro) foi frustrante, houve uma redução das ocorrências enquanto as Forças Armadas estavam lá, mas depois elas aumentaram.

Folha - O que pode ser feito para que daqui a um tempo o governo não tenha de produzir um novo plano de segurança?
Nunes Ferreira -
Eu acho que são três eixos fundamentais: a integração das polícias -civil, militar, federal e rodoviária-, a qualificação das polícias, especialmente a recuperação da capacidade de investigar os crimes e o combate à corrupção dentro das polícias. O terceiro é a generalização da experiência das polícias comunitárias, uma filosofia de policiamento diferente da repressão, de prática constante de convivência com as comunidades.

Essas medidas estão contempladas no Plano Nacional de Segurança Pública, que tem um defeito: tem medidas demais, o que leva a um certo desfocamento. Agora é preciso ficar claro que a solução é uma função dos Estados. O governo federal tem de coordenar um esforço para dizer aos criminosos que o Estado brasileiro e suas instituições são mais fortes do que eles.

Não faltam recursos, falta eficiência, gerenciamento da atividade policial, falta capacitação, inteligência. Falta investir em equipamentos que, mais do que aumentar o potencial ofensivo do policial, dêem a ele condições de investigar melhor. Deveria haver um reforço nos salários dos policiais, mas isso é uma coisa que o governo federal não pode bancar.

Eu agora estou mandando um questionário aos Estados para saber se o plano está sendo cumprido. Eu tenho recebido as prestações de contas e só vai receber dinheiro quem estiver aplicando em pontos estratégicos.

Folha - Por que o sr. acha que aumentou mais o número de sequestros em São Paulo do que no Rio?
Nunes Ferreira -
Em São Paulo, houve realmente um aumento dos sequestros. À medida que aumenta o risco em algumas modalidades como roubo a banco, os criminosos se dirigem a outros setores, principalmente para o sequestro. No Rio, nós temos outro fenômeno. Um comando criminoso que diz para a população que cor de roupa ela deve vestir ou que cor fica proibida é uma coisa dramática. Temos Estados com problemas de segurança graves: São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul, aí tem para todos os partidos. E não dá para fazer milagre.
 

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