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29/09/2002
-
11h06
do Agora São Paulo
Depois de 3.616 dias, dois homens da zona leste de São Paulo, que tiveram suas vidas transformadas pelo massacre dos 111 presos do Carandiru, puderam ficar cara a cara.
As coincidências entre o coronel da reserva da PM Ubiratan Guimarães, de 59 anos e nascido em Itaquera, e o ex-presidiário Jorge Luiz de Paula, 44 anos e criado em Aricanduva, vão muito além do bigode que ambos ostentam, a região da cidade onde nasceram e o olhar tenso que ambos exibiam no momento em que se encontraram novamente, exatamente seis dias antes de a matança dos 111 presos completar uma década.
Ubiratan foi o responsável pela invasão da PM ao pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em 2 de outubro de 1992. Nesse dia, quando os corredores do Carandiru foram transformados em rios de sangue, Jorge -que estava lá preso por roubo, em sua segunda passagem por uma cadeia- teve de se esconder embaixo dos corpos de seus companheiros de cárcere para não ser a 112ª vítima daquele episódio que manchou mais ainda a história penitenciária do Brasil.
Na tarde ensolarada da última quinta-feira, dia 26, Ubiratan e Jorge, a convite do Agora, tiveram a primeira chance na história -isso fora de um ambiente judicial ou carcerário- de olhar um dentro do olho do outro e falar o que foi o massacre do Carandiru para cada um deles.
O encontro entre os dois personagens começou no estacionamento da Academia do Barro Branco, no Jardim Tremembé (zona norte), considerado o ninho de formação dos policiais militares de São Paulo, e acabou em outro estacionamento, o do Clube dos Oficiais da PM, na Ponte Pequena, também zona norte -isso a pedido do coronel, que recusou-se a sentar à uma mesa com Jorge.
Sob o olhar desconfiado de seu segurança -que fez questão de deixar claro que estava armado e não se afastou um só instante de seu chefe-, Ubiratan impôs outra condição: não queria que houvesse debate.
Quando Jorge e Ubiratan ficaram frente a frente, num encontro inédito, aconteceu um silêncio de alguns segundos. Eles não se cumprimentaram. Limitaram-se a dizer que estavam prontos para a conversa.
E a iniciativa partiu de Jorge, que disse ao coronel Ubiratan sentir medo da PM até hoje, dez anos depois do massacre.
Em seguida, Jorge perguntou a Ubiratan, condenado ano passado a 632 anos de prisão -a maior sentença aplicada pela Justiça a um réu, pela morte de 102 dos 111 mortos- se havia necessidade de entrar atirando naquele dia 2 de outubro.
E Ubiratan, interrompendo a pergunta dele, respondeu que sim, pois os presos estavam armados e que ele não queria discutir sobre isso. "Cada um na sua função", disse o coronel. "Tanto que você está vivo", continuou.
Ubiratan perguntou se Jorge concordava que os presos estavam armados na rebelião, e ele foi enfático na resposta: "Eu não estava armado!"
Nervoso, Jorge perguntou a Ubiratan qual era a pretensão dele como candidato a deputado estadual, e ele respondeu que pretende sempre lutar pela segurança pública, inclusive "pela reintegração dos presos". "Eu não tenho má intenção", disse.
O sobrevivente Jorge emendou que não estava ali para jogar pedra no PM, que, por sua vez, disse estar lutando, pois também foi condenado.
Ubiratan, subitamente e apressado, interrompe a conversa e vai embora. Jorge acende um cigarro e, tremendo, diz: "Eu converso, eu sorrio, mas imagina como é ficar diante desse homem."
Leia mais sobre o Carandiru
Dez anos depois, sobrevivente e coronel do massacre se encaram
ANDRÉ CARAMANTEdo Agora São Paulo
Depois de 3.616 dias, dois homens da zona leste de São Paulo, que tiveram suas vidas transformadas pelo massacre dos 111 presos do Carandiru, puderam ficar cara a cara.
As coincidências entre o coronel da reserva da PM Ubiratan Guimarães, de 59 anos e nascido em Itaquera, e o ex-presidiário Jorge Luiz de Paula, 44 anos e criado em Aricanduva, vão muito além do bigode que ambos ostentam, a região da cidade onde nasceram e o olhar tenso que ambos exibiam no momento em que se encontraram novamente, exatamente seis dias antes de a matança dos 111 presos completar uma década.
Ubiratan foi o responsável pela invasão da PM ao pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, em 2 de outubro de 1992. Nesse dia, quando os corredores do Carandiru foram transformados em rios de sangue, Jorge -que estava lá preso por roubo, em sua segunda passagem por uma cadeia- teve de se esconder embaixo dos corpos de seus companheiros de cárcere para não ser a 112ª vítima daquele episódio que manchou mais ainda a história penitenciária do Brasil.
Na tarde ensolarada da última quinta-feira, dia 26, Ubiratan e Jorge, a convite do Agora, tiveram a primeira chance na história -isso fora de um ambiente judicial ou carcerário- de olhar um dentro do olho do outro e falar o que foi o massacre do Carandiru para cada um deles.
O encontro entre os dois personagens começou no estacionamento da Academia do Barro Branco, no Jardim Tremembé (zona norte), considerado o ninho de formação dos policiais militares de São Paulo, e acabou em outro estacionamento, o do Clube dos Oficiais da PM, na Ponte Pequena, também zona norte -isso a pedido do coronel, que recusou-se a sentar à uma mesa com Jorge.
Sob o olhar desconfiado de seu segurança -que fez questão de deixar claro que estava armado e não se afastou um só instante de seu chefe-, Ubiratan impôs outra condição: não queria que houvesse debate.
Quando Jorge e Ubiratan ficaram frente a frente, num encontro inédito, aconteceu um silêncio de alguns segundos. Eles não se cumprimentaram. Limitaram-se a dizer que estavam prontos para a conversa.
E a iniciativa partiu de Jorge, que disse ao coronel Ubiratan sentir medo da PM até hoje, dez anos depois do massacre.
Em seguida, Jorge perguntou a Ubiratan, condenado ano passado a 632 anos de prisão -a maior sentença aplicada pela Justiça a um réu, pela morte de 102 dos 111 mortos- se havia necessidade de entrar atirando naquele dia 2 de outubro.
E Ubiratan, interrompendo a pergunta dele, respondeu que sim, pois os presos estavam armados e que ele não queria discutir sobre isso. "Cada um na sua função", disse o coronel. "Tanto que você está vivo", continuou.
Ubiratan perguntou se Jorge concordava que os presos estavam armados na rebelião, e ele foi enfático na resposta: "Eu não estava armado!"
Nervoso, Jorge perguntou a Ubiratan qual era a pretensão dele como candidato a deputado estadual, e ele respondeu que pretende sempre lutar pela segurança pública, inclusive "pela reintegração dos presos". "Eu não tenho má intenção", disse.
O sobrevivente Jorge emendou que não estava ali para jogar pedra no PM, que, por sua vez, disse estar lutando, pois também foi condenado.
Ubiratan, subitamente e apressado, interrompe a conversa e vai embora. Jorge acende um cigarro e, tremendo, diz: "Eu converso, eu sorrio, mas imagina como é ficar diante desse homem."
Leia mais sobre o Carandiru
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