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29/12/2002 - 11h20

Santos 'populares' atraem fiéis ao Vale do Paraíba (SP)

KEILA RIBEIRO
da Folha Vale

Em 24 anos de papado, João Paulo 2º reconheceu como santos 464 pessoas, uma quantidade maior do que todos os seus antecessores juntos, mas o número, embora recorde, ainda parece insuficiente para a fé popular.

No Vale do Paraíba, ao lado dos mais de 750 santos oficiais nos altares, a devoção popular venera andarilhos e peregrinas, perna e cabeça de gesso, crianças e mulheres que tiveram mortes trágicas ou pessoas que cultivaram uma religiosidade intensa.

Alguns santos ''populares'' do Vale atraem romarias de outros Estados e têm até santuários ou capelas e festas que integram os calendários oficiais das cidades.

Quando não há um local para veneração, atraem devotos para onde estão enterrados, principalmente no feriado de Finados.

A devoção aos santos não-oficiais muitas vezes é associada à dedicada àqueles que já têm a santidade inquestionável.

Os fiéis que fazem peregrinações ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, por exemplo, quase sempre aproveitam para ir a Cachoeira Paulista e visitar o santuário de santa Cabeça ou, mesmo em Aparecida, orar no túmulo do padre Vitor, que está em processo de canonização.

"Meu menino estava com problema de cabeça e melhorou. Saí com ele do hospital e vim direto agradecer. Sou de Resende (RJ), mas, sempre que vou a Aparecida, passo no santuário de santa Cabeça", diz a dona-de-casa Rosália Flausina de Gouveia, 51.

As jornalistas Cristine Gonçalves e Leandra Rocha reuniram a história de 11 desses santos no livro "O Vale dos Santos - Misticismo e Histórias das Santidades Não-Oficiais do Vale do Paraíba", mas estimam que a região tenha até cem santos populares.

Dos 11 citados no livro, três já pleiteiam um lugar nos altares _padre Rodolfo Komorek e madre Teresa de Jesus Eucarístico, de São José dos Campos, e padre Vitor, de Aparecida, já são considerados servos de Deus, primeiro estágio da canonização.

O reconhecimento pelo Vaticano garante a veneração em igrejas no Brasil e em outros países, além da inclusão do santo no calendário católico e no catálogo de exemplos de santidade, o que garante o culto público.

Cabeça de gesso
Em Cachoeira Paulista, uma cabeça de gesso encontrada no rio Tietê por tropeiros recebe romarias de devotos de todos os Estados, o que estimulou até a construção de um santuário.

No local, há uma sala de promessas que, a exemplo da encontrada na Basílica de Nossa Senhora Aparecida, traz fotos dos fiéis nas paredes. A imagem, que se assemelha a um anjo, é comparada à de Nossa Senhora. "Eu sou católica e devota de todos os santos, por isso rezo também para santa Cabeça. Não importa a imagem, Maria é uma só", disse a devota Arlene Marciano, 42.

Em São José, outro objeto de gesso é alvo de veneração, mas as grandes romarias feitas há dez anos à capela de santa Perna foram substituídas por visitas esparsas, próximas a feriados.

Pessoas que passaram por sofrimentos também são vistas como santos. Mendigos e andarilhos, como o santo Desconhecido e Maria Peregrina, recebem a visita de pessoas em seus túmulos e são vistos como "milagreiros".

Terço no cemitério
"Sou devoto há 36 anos, desde que fui curado de uma bronquite pela intercessão de Maria Peregrina. Desde então, todos os dias, antes do trabalho, rezo um terço andando pelo cemitério e sempre termino no túmulo dela", diz o coveiro Joaquim Goulart.

Em Taubaté, Jacareí e Caçapava, o sofrimento dos venerados também motivou a devoção popular a três crianças _Menina Danielle, Menina Janaína e Menina Santa_, que morreram, antes de completar dez anos, por doença ou vítimas de violência. A veneração a esses santos é bem particular: os devotos deixam balas, doces, chupetas e brinquedos.

"A devoção não-oficial está ligada ao extraordinário e corresponde ao cristianismo primitivo, quando os homens escolhiam os santos e viam neles, pela vida incomum, a presença divina", afirmou o especialista em história das religiões Eduardo Basto de Albuquerque, da Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Assis.

Segundo ele, a postura da igreja na seleção dos santos mudou somente há um século, quando o catolicismo passou a ser criticado e chamado de charlatanismo por causa dos avanços da medicina.

Para rebater as críticas, a igreja passou a utilizar métodos científicos para comprovar os milagres, mas continuou usando o estudo da vida dos venerados para confirmar sua posição de exemplo de virtude cristã para os fiéis.

Para a diretora do Museu do Folclore de São José dos Campos, Angela Savastano, que estuda a cultura popular, a devoção aos santos não-oficiais é espontânea e pode dar origem à canonização. "Já os chamamos de 'santos do povo', porque é o povo quem os escolhe sem seguir nenhuma orientação, sem a necessidade da comprovação de milagres. Ele aceita a cura como verdadeira e não precisa de mais nada. A canonização sempre começa depois."
 

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