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23/02/2003 - 03h07

Inovações arquitetônicas geram polêmica em SP

LUCIANA MACEDO
da Revista da Folha

Melancias e carambolas estão brotando no concreto de São Paulo. E o fenômeno não é transgênico, mas arquitetônico. Os frutos mais recentes dessa mutação urbana são o hotel Unique, um prédio em formato de fatia de melancia na avenida Brigadeiro Luís Antônio, e a carambola lilás que salta aos olhos na fachada do Instituto Tomie Ohtake, na avenida Pedroso de Moraes, em Alto de Pinheiros (zona oeste).

O autor dessas peripécias é o arquiteto paulistano Ruy Ohtake, 66, que fez cerca de 30 projetos de grande porte na cidade -entre eles o hotel Renaissance, o Parque Ecológico do Tietê e os prédios do grupo farmacêutico Aché, na via Dutra, que lhe renderam o primeiro prêmio na Bienal Internacional de Arquitetura de 1973. "Tenho duas referências muito fortes. O Aleijadinho [escultor barroco mineiro], de quem busco a leveza, e o Niemeyer, que é o arquiteto mais importante do século 20", diz Ohtake.

Solteiro, com dois filhos, o primogênito da artista plástica Tomie Ohtake subverteu a crença de que gosto não se discute. De garçons a urbanistas, não há indiferença que resista a suas obras.

Entre os arquitetos e urbanistas, a maioria prefere não comentar. Oscar Niemeyer não quis falar da obra como um todo, mas já elogiou por escrito o amor de Ohtake "pela curva, pela criatividade, pelo espetáculo arquitetural". Paulo Mendes da Rocha, outro profissional bastante respeitado, foi ainda mais econômico: "Estou fora, arquiteto não fala de obra de colega". Extra-oficialmente, no entanto, sabe-se que também entre eles as opiniões se dividem.

Carlos Alberto Cerqueira Lemos, 76, professor de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, onde Ohtake se formou em 1960, louva sua "inventividade", mas não se empolga com o estilo. "O Unique é parte de uma arquitetura "semostradeira", para usar uma palavra inventada pelo Mário de Andrade. No fundo, para quem passa na rua, o hotel está dizendo "estou aqui'", diz.

"Pelo menos ele sai da mesmice, ousa fazer coisas esquisitas, que não caem no gosto de todo mundo", defende Regina Monteiro, 46, arquiteta, urbanista e presidente do Movimento Defenda São Paulo.

Acampamento

A falta de uma cara -ou o excesso de caras diferentes- da cidade é um problema genético. Inflada pela imigração vertiginosa a partir do século 18, São Paulo era encarada por boa parte de seus habitantes como uma espécie de acampamento temporário. "O imigrante chegava com um pensamento colonizador, aquela idéia de trabalhar, ganhar dinheiro e voltar para sua terra. Não estabelecia uma relação duradoura com o espaço que ocupava", explica o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Ricardo Toledo, 52.

A cidade cresceu, a população se fixou, mas a filosofia do transitório persiste. "Essa analogia de acampamento continua hoje em incorporadoras e alguns arquitetos comerciais, cuja relação com a cidade é de desapego", diz Toledo. Em linhas gerais, pode-se dizer que a atuação das incorporadoras resulta em duas "caras" mais evidentes. Nos edifícios comerciais, prevalece o moderno, com prédios em vidro, aço e geometria forte. São as construções típicas do "skyline" das avenidas Berrini e Nova Faria Lima.

Já no setor residencial impera um certo conservadorismo, com a releitura do estilo neoclássico, prédios com pinturas em tons pastéis, frisos, molduras, balaústres e colunas.

É essa padronização que Ruy Ohtake diz querer combater. "Quando começaram a imitar os europeus, vieram todos esses "néos", e aí ficou tudo beginho, cinzinha, azulzinho. O que eu faço é colocar o inesperado na paisagem. Alguns não gostam, mas vou fazer o quê? Toda vanguarda é polêmica", diz. "A cara de São Paulo ainda não existe, está para se formar." Se depender de sua produção de melancias e carambolas, será uma cara bem tropical.
 

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