REFLEXÃO


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urbanidade
05/09/2007

Periferia cor

Élcio nem desconfiava de que, ao ensinar aos presos técnicas de artes plásticas, desenvolvia uma habilidade



Para Élcio Torres, ex-traficante de drogas e ex-publicitário, o Carandiru foi uma escola. Não uma escola do crime, como seria previsível, mas uma escola de arte. Nem desconfiava de que, ao ensinar aos presos diferentes técnicas de artes plásticas, desenvolvia uma habilidade -o que o está levando a projetar com jovens da zona leste, onde nasceu, uma espécie de galeria ao ar livre.

Quando era menino e morava na Penha, Élcio se encantava com uma pequena oficina em que se fabricavam azulejos, instalada exatamente em frente à sua casa. Tanto atazanou os proprietários - e mais ainda o vigia chamado João-, que o deixaram brincar com as peças, inventando seus próprios desenhos. Anos depois, cursou o Liceu de Artes e Ofícios e se dedicou à gravura, bem como à produção de mosaico. Não demorou a trabalhar como ilustrador em uma agência de publicidade.
Na época, o consumo de cocaína não lhe parecia perigoso. "A gente sempre acha que está no comando da droga." Parecia-lhe uma combinação perfeita consumir e, ainda por cima, ganhar dinheiro com a cocaína. No começo, como é comum, vendia a droga em quantidades bem pequenas, apenas para satisfazer o consumo. Até que entrou nas rotas da Bolívia, ampliando o negócio. Sentia-se a salvo de qualquer risco -a tal ponto que a sua primeira aquisição com o dinheiro do tráfico foi um automóvel BMW. "Sem perceber, vamos deixando os rastros mais estúpidos." Foi flagrado com 20 quilos da droga em 1994, condenado a passar quatro anos na cadeia.
Para ocupar o tempo, usou seus conhecimentos em artes plásticas para dar aulas a alguns dos companheiros. "Isso me ajudou a entender o mundo da juventude da periferia."

Fora da cadeia em 1998, ele evitou o vício -"Fiquei com nojo físico da cocaína"- e construiu sua vida profissional. Em seu ateliê, além de criar gravuras com técnicas especiais em madeira, Élcio produz azulejos artesanais para banheiros que viraram objeto de desejo de decoradores e acabaram nas casas da elite paulistana. Aprendeu a reproduzir os azulejos exatamente como eram no passado. Agora, com 41 anos, decidiu voltar à zona leste de sua infância -desta vez, não seduzido (pela arte do azulejo), mas sedutor. "A periferia é muito feia, sem cor, por isso resolvi trabalhar lá."

A "escola" do Carandiru ajudou-o não só a entender como pensa e sente um jovem que vive à margem da sociedade, mas até mesmo a conhecer o vocabulário, para muitos quase um dialeto. "O traficante e o bandido são parte da comunidade deles. Os adolescentes, que são uma população de risco, têm curiosidade sobre esse mundo."

Aproximou-se de uma entidade assistencial (Centro Comunitário Nossa Senhora Aparecida) e doou-lhe um forno para que os jovens atendidos criassem os azulejos, destinados a embelezar, inicialmente, escadões sujos e, depois, as fachadas das casas. Élcio imagina que, talvez, no futuro, os jovens aproveitem a experiência para ter uma fonte de renda. Por enquanto, vão apenas conhecer o poder de sedução da arte -e não da marginalidade.

Veja os painéis de azulejos:
Foto 1
Foto 2
Foto 3


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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