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REFLEXÃO


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urbanidade
08/03/2006
O sino de Bell

Maria Isabel Marcondes nasceu pobre, não estudou, mas ganhou muito dinheiro. Torrou tudo com cocaína, uísque importado e mulheres. Em sua derrocada, chegou a tirar vantagem financeira do enterro da própria mãe. Pediu aos amigos, comovidos, mais dinheiro do que era necessário para o velório. "Com a diferença, comprei drogas." Uma boa parte da cocaína ela cons umiu num dos banheiros do cemitério.

Maria Isabel, 50 anos, não gosta de ser chamada de Maria Isabel. Prefere Bell, que, em inglês, significa sino, uma lembrança charmosa dos tempos em que trafegava no meio artístico como produtora de shows e pagava, orgulhosa, a conta dos jantares.

Bell foi o nome que ela levou para as ruas de São Paulo, onde, depois de perder tudo, morou por quatros anos e, muitas vezes, se entregou apenas por alguns trocados para comprar cachaça. Sobraram-lhe apenas nove dentes e quase nenhum a vontade de viver. Conseguiu, porém, livrar-se das drogas. Para contar sua história -"e tentar me limpar"-, Bell escreveu o livro "Estou viva, não uso mais drogas", lançado numa edição quase artesanal, vendida de bar em bar. Conseguiu sensibilizar uma editora (Geração) para relançá-lo na Bienal do Livro que começa nesta semana. "Estou insegura." Quase já não tem mais amigos -e os que lhe restaram não conseguiriam comprar ingresso para entrar na bienal. "Sei que vou me sentir lá tão anônima quanto no tempo em que estava nas ruas."

A vontade de se matar, ela admite, ainda não passou completamente. Aparece em especial quando, apesar de todo o esforço para continuar "limpa", não tem como pagar o aluguel ou mesmo manter a geladeira com comida. O grande sentido que enxerga para sua existência é contar a sua experiência. Por causa desse projeto, Bell está se juntando a um grupo batizado de "Quebrando Muros", composto de gente que, como ela, conheceu o extremo da solidão pelos mais diversos motivos, acabou viciada ou numa prisão, mas está conseguindo, mesmo que precariamente, se equilibrar. Muitos deles também escrever am livros e querem organizar encontros nos mais diferentes ambientes, de presídios a escolas de elite, para que suas histórias inspirem outras histórias. A lição de Bell: "Aprendi que, por mais difícil que pareça, dá para mudar".


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

Leia trechos do livro de Bell

   
 
 
 

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