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REFLEXÃO


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urbanidade
15/02/2006
De volta ao mundo

Apenas recentemente o escritor Luiz Alberto Mendes, de 53 anos, descobriu os encantos do metrô. Impressionou-se com a limpeza, a velocidade, o tapete de borracha das estações e os assentos reservados aos idosos e portadores de deficiência. "Parece que eu estava entrando num filme de ficção científica." Essa é uma das sensações que o estão inspirando a escrever um livro, cujo título provisório é "De Volta ao Mundo". Antes disso pretende lançar um guia para homens livres.

Depois de cometer assassinato em 1972, Luiz Alberto passou 32 anos na cadeia. Naqueles tempos, TV em cores ainda era novidade, ninguém tinha computador em casa, só se usava máquina de escrever. Nem a violência nem o desemprego faziam parte das principais preocupações de um morador das grandes cidades; vivia-se a era do "milagre econômico". Enquanto o país caminhava para a democracia, a miséria se expandia pelas ruas paulistanas e o mundo descobria a realidade digital, ele, semi-analfabeto, aprendia, atrás das grades, o gosto pela literatura e se preparava para escrever "Memórias de um Sobrevivente".

Solto em 2004, seu cotidiano, em São Paulo, onde nasceu, fazia-se de surpresas cotidianas como as do metrô ou os sistemas computadorizados dos carros. Admirava a internet, o cartão de débito, a leitura digital no preço dos produtos. Notava, surpreso, como todos os motoristas dirigiam com cinto de segurança. Via também retrocessos: as calçadas povoadas de meninos e meninas. "Sempre fui criança de rua e me lembro que éramos poucos. Hoje tem em tudo quanto é canto."

Nessa volta ao mundo, Luiz Alberto enfrentou inimagináveis pedidos de documentos ao decidir tirar seu título de eleitor. "Nunca votei. Estar livre, para mim, era votar." Para conseguir o título, teve de entrar num labirinto de documentos para justificar por que jamais votara. "Acho que vou conseguir o título", anima-se.

A busca de documentos inspirou-o a fazer algo a mais pela cidade além de escolher um governante: um guia para quem, como ele, sai da cadeia e não consegue entender nem o que é um e-mail, um cartão de débito ou até como obter microcrédito, CPF e beneficiar-se de programas de renda mínima. Está sensibilizando autoridades penitenciárias a distribuírem seu manual como preparação para quem está prestes a voltar às ruas. "Como muita gente não sabe se virar, acaba caindo de novo nas mãos de criminosos." E saem do mundo e voltam para a cadeia. . É nosso.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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