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REFLEXÃO


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urbanidade
22/02/2006
Loucos por samba

Feitas as fantasias, ensaiado o samba-enredo e treinados os músicos, faltava apenas dar o nome ao bloco, no qual os carnavalescos são pacientes de programas de saúde mental, seus familiares, psicólogos e psiquiatras. Como freqüentam clínicas psiquiátricas públicas nos bairros do Itaim Bibi e do Butantã - e o significado de tantã dispensa explicações -, tiveram a bem-humorada idéia de batizar o grupo de "Bibitantã". Ninguém poderia nem remotamente imaginar que, naquele nome, haveria uma descoberta lingüística com jeito de lenda.

A experiência de um cordão carnavalesco com doentes mentais nasceu de uma parceria entre os centros de atendimento psiquiátricos da prefeitura e o grupo Kolombolo Diá Piratininga. Além de estudar as tradições musicais do samba em São Paulo, esse grupo está gravando cantores e compositores da velha-guarda.

Renato Dias, T.Kaçula e Ligia Fernandes, pesquisadores do Kolombolo, entusiasmaram-se com a possibilidade de criar, com apoio de assistentes sociais e psiquiatras, um cordão de carnaval com portadores de distúrbios mentais, inspirados nas raízes culturais africanas em São Paulo. Levaram aos pacientes oficinas de percussão, figurinos, adereços e coreografia. "O cordão era como acontecia no Carnaval paulistano antes de receber a influência das escolas do Rio", conta T.Kaçula.

Era visível o entusiasmo dos participantes não só com todo o aspecto lúdico do Carnaval, com suas cores, sons e ritmos, mas também com a chance de inclusão. "A cada ensaio o entusiasmo crescia", conta Roberto Dias.

Na hora do batismo do cordão de Carnaval, a maioria dos nomes sugeridos eram óbvios. Nem podia ser muito sério e, assim, contrastar com o clima de brincadeira, nem debochado, para não reforçar o estigma da loucura. Até que veio o bem-humorado Bibitantã. "Todos gostaram de cara", lembra Ligia Fernandes. Tempos depois, veio a descoberta. Como o Kolombolo estuda raízes culturais, acabaram sabendo que, em tupi-guarani, Bibitantã poderia ser traduzido por "balanço e firmeza". O que, por feliz coincidência, traduzia toda a experiência.

Todos tiveram mesmo de ser firmes para enfrentar os preconceitos e colocar aquele balanço na rua. No sábado passado, o cordão desfilou no centro e, na próxima sexta-feira, vai se apresentar pelas ruas do Itaim Bibi, um dos bairros mais sofisticados de São Paulo, cantando o seguinte refrão: "Somos loucos por samba".

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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