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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
11/07/2005
Mais educação, menos corrupção

Entre janeiro e maio deste ano, apenas 19 pessoas que andaram pela avenida Paulista deram queixa de assalto. É uma queda de 82% em comparação com o mesmo período de 2004. Dos alunos da primeira série do ensino fundamental de Sobral, cidade do semi-árido cearense, 92% estão alfabetizados. É uma subida de 140% em relação a 2000. Em Sobral, o ensino fundamental dura nove anos. Tradução: 100% das crianças de seis anos de idade estão na escola. Há um distância de 3.178 km entre a imponente avenida Paulista, cartão-postal da cidade de São Paulo, e Sobral, cidade do semi-árido do Ceará, castigado pelas secas e pela miséria crônica.

Duas paisagens diferentes em tudo -toda a população de Sobral não significa nem 10% do 1,5 milhão de pessoas que caminham diariamente pela avenida Paulista- formam um mesmo laboratório de inventores sociais. Sem saber, inventam até mesmo um meio de combater a roubalheira neste país de "mensalões".

Técnicos do Unicef, do Ministério da Educação e de entidades como o Instituto Ayrton Senna consideram Sobral um dos nossos mais férteis modelos de melhoria da educação em ensino fundamental. Para compreender o que significa ter 92% das crianças alfabetizadas na primeira série, basta lembrar que, na cidade de São Paulo, só 65% das crianças que estão nesse mesmo nível educacional sabem ler e escrever.

Na alfabetização precária está um dos nós de toda a educação brasileira: esse fato ajuda a explicar, pelo menos em parte, até mesmo por que 92,84% dos bacharéis em direito que realizaram o exame da OAB-SP foram reprovados neste ano. Na semana passada, em debate na Folha, o presidente da OAB-SP, Luiz Flávio D'Urso, contou que, em algumas provas, havia quem não conseguisse fazer uma só concordância gramatical correta. "Parece que não sabem o que é plural", disse.

Especialistas em segurança que atuam no Japão, um dos países mais seguros do planeta, vieram conhecer a experiência da avenida Paulista, onde, desde outubro de 2003, não há nenhum registro de assassinato. Aquela avenida foi, no passado, um verdadeiro paraíso para os delinqüentes, para lá atraídos pela multidão de pessoas de classe média que andavam pela rua.

Montou-se uma rede de policiamento preventivo em muitas das esquinas dos três quilômetros da avenida. Todo sistema é conectado a policiais que andam a pé, de moto ou de automóvel.

O mapa da mina das duas experiências é o seguinte:
1) Haver um empreendedor capaz de mobilizar, articular e manter os mais diversos parceiros públicos e privados. No caso de Sobral, foi o então prefeito, Cid Gomes, que, depois de reeleito, ainda fez seu sucessor -é a garantia da continuidade das ações. No caso de São Paulo, a articulação e a mobilização da teia de apoio vêm da associação Paulista Viva, entidade comandada por um empresário (Nelson Baeta) que, em conjunto com o poder público, montou o esquema de segurança.

2) Trabalhar com números claros da realidade, metas definidas e avaliações periódicas. Em Sobral, foi feito um amplo levantamento da situação educacional das crianças, foi medida a tragédia, escolhido um foco e estabelecidos os passos para atingir os resultados desejados. Um banco de dados, alimentado diariamente, mostra o perfil do crime na avenida Paulista -assim, não se atira a esmo, mas com mira.

3) As metas serem não do governo, do partido ou do político no poder, mas da comunidade. Em Sobral, quando um aluno falta dois dias à escola, uma professora vai procurar os pais dele. Se não os encontra, faz um apelo pela estação de rádio. Os crimes na Paulista são analisados mensalmente, vistos não como o sucesso de um governador ou de um secretário de segurança, mas como o resultado de um esforço coletivo - assim como os indicadores educacionais de Sobral.

4) Os profissionais serem treinados periodicamente e estimulados. Em Sobral, além de realizarem cursos, os professores ganham bônus pelo desempenho dos alunos. São, portanto, sócios do sucesso. Os policiais da avenida Paulista tiveram treinamento para lidar com temas comunitários. Recebem gratuitamente aulas de inglês -afinal, há muitos turistas que passam pela avenida. Ao final da tarde, senhoras levam-lhes café, tortas e salgados. Os policiais têm acesso a programas antiestresse no Masp, onde participam de oficinas de arte.

Foi colocado ar-condicionado nos postos móveis da PM. Evidentemente os problemas de educação em Sobral e os de segurança em São Paulo continuam trágicos, mas as duas cidades são valiosos exemplos, verdadeiros softwares comunitários, aplicáveis em qualquer lugar. Como na maioria das experiências de sucesso de gerência, juntam-se dois tipos de tesouro de uma comunidade: o capital humano (educação) e o capital social (a rede de relações de confiança entre indivíduos e instituições). Revela-se, nessa química, a força local, palpável, onde se vêem com os próprios olhos os acertos e erros.

Sobral e a avenida Paulista nos ensinam que, além de aumentar a eficiência no uso de dinheiro público, quanto mais fortes as cidades e mais educados e articulados os seus habitantes, mais chance existe de eficiência. E menos de ladroagem.

Tirar poder do presidente e dos governadores e vitaminar as cidades é um dos meios de fazer que mais pessoas acompanhem de perto o que se faz com o dinheiro público. Isso pode não acabar com a roubalheira, mas a inibe. Se todo esse escândalo que temos acompanhado pela mídia se resumir a um show de vilões e supostos mocinhos, sem haver mudança nas estruturas, ficaremos apenas patinando.

PS - Coloquei no meu site (www.dimenstein.com.br/) o relato sobre a experiência feita pela psicóloga Izolda Coelho, secretária de Educação de Sobral. Considero-o leitura obrigatória.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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