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REFLEXÃO


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folha online
29/03/2006
O caçador da Nostalgia

A bordo de um bonde que cruzava a avenida Paulista, com suas calçadas largas e povoadas de ipês amarelos, o adolescente Luiz Simões nunca deixava de prestar atenção à sensualidade ingênua -excitante para seus olhos juvenis- das estátuas de duas ninfas, nuas, que decoravam uma pérgola do parque Trianon. "Eu tinha vindo do interior, e estátua de mulher pelada era novidade para mim."

O adolescente ainda não sabia, mas apreciar as formas, humanas e inumanas, serviria mais do que satisfazer os apetites juvenis. Seria seu meio de ganhar a vida. Depois de descobrir o talento para o desenho, entrou para o mercado da criação publicitária. Hoje, aos 62 anos, dedica-se a colocar novamente juntas, no parque Trianon (Siqueira Campos), as duas ninfas.

Uma delas, a Nostalgia, tinha desaparecido. "Fui fazer uma pesquisa e ninguém sabia onde ela tinha sido jogada." Pediu ajuda a amigos e acionou contatos pela internet. Até que recebeu uma pista de Neuza Guerra -uma bióloga aposentada que, graças à sua mobilização pela internet, conseguiu salvar uma imensa figueira na rua Glete, onde funcionavam alguns cursos da Universidade de São Paulo.

No trabalho de detetive, Simões encontrou Nostalgia numa situação desoladora. Com partes destruídas, outras sujas, a ninfa está numa pequena praça próxima ao Jockey Club, cercada de uma paisagem que nada faz lembrar a então aristocrática avenida Paulista, com seus casarões, mulheres e homens trajados no estilo europeu e flores coloridas esparramadas pelo chão. A nudez ingênua da ninfa está agora acompanhada de prostitutas e travestis. "Por que não devolvê-la a seu verdadeiro lugar?", pergunta Simões, que, apoiado na habilidade de mobilização pela internet de Neuza -mais conhecida por seus amigos como vovó Neuza-, está em busca de aliados.

Na sua solidão -nunca recebeu resposta de ninguém da prefeitura-, Simões sonha que, no próximo dia 3 de abril, quando o parque completa 114 anos, alguém possa sensibilizar e tentar levar Nostalgia de volta. "No fundo, é como se eu mesmo pudesse voltar a ter aquele olhar encantado do adolescente."


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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