Jovens do bairro de São Pedro,
periferia de Teresina, capital do Piauí, estão
trocando o vício das drogas por um outro, de alto valor
cultural. O que os entorpece agora são os 21 computadores
da estação digital montada no bairro, em julho
deste ano, pela Fundação Banco do Brasil, em
parceria com a ONG Movimento pela Paz na Periferia, a Secretaria
de Administração de Teresina e o Movimento Meninos
e Meninas de Rua. Se antes os meninos entravam na sala, emprestada
pela Secretaria de Administração da cidade,
para roubar aparelhos de videocassete e até ventiladores
para sustentar o vício, hoje eles vivem uma realidade
bem contrária: invadem a sala para aprender informática.
O bairro de São Pedro foi o primeiro do Brasil a receber
uma escola do Programa de Inclusão Digital da FBB.
Hoje, 10 estações digitais já oferecem
cursos e serviços de informática a crianças
e adultos. As salas têm de 10 a 30 computadores. Na
última quarta-feira, dia 24, mais uma estação
foi inaugurada, em Benevides, no Pará.
“A nossa meta é ter até o fim deste ano
50 estações funcionando nas regiões Norte
e Nordeste e em bairros carentes de São Paulo, Belo
Horizonte e Brasília. No ano que vem, outras 100 serão
implantadas. Com isto, facilitaremos a vida de pessoas que
nunca teriam oportunidade de usar um computador e muito menos
a internet, e hoje aprendem a pagar uma conta, a tirar um
CPF, ou emitir uma certidão pela web. Ações
que obrigariam estas pessoas até a fazerem viagens
de suas comunidades, no interior, para as capitais. Pela internet,
os agricultores vão poder buscar e estudar novas técnicas
de plantio ou mesmo requisitar visitas de técnicos
da Embrapa. Para os jovens, além do conhecimento, vai
aumentar sua competitividade no mercado de trabalho”,
explicou Germana Macena, coordenadora do Programa de Inclusão
Digital da FBB.
A exclusão digital é um dos problemas mais
graves do Brasil. Segundo o Relatório de Desenvolvimento
Humano produzido e divulgado pela ONU em 2004, o Brasil ocupa
a 72a colocação no grupo de países com
médio Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
com uma taxa de apenas 82,2 usuários de internet por
grupo de mil indivíduos.
Para cobrir esta demanda, ações como a da FBB
têm feito a diferença. Segundo Germana, a Fundação
emprega, em média, 40 mil reais para montar uma escola
digital com computadores novos. Por seis meses, os gastos
com internet e bolsas para os monitores são financiados
pela entidade. Depois desse tempo, a escola tem de passar
a se auto-sustentar, mas continua sendo permanentemente vistoriada
pela Fundação. Para instalar o centro, a FBB
procura fazer parcerias com organizações locais
– prefeituras ou empresas –, que fornecem o espaço
para as salas e arcam com gastos com eletricidade, água
e impostos. São estas organizações que
escolhem os programas que vão usar em seus computadores.
Podem optar por softwares proprietários – que
exigem o pagamento pelo uso, como, por exemplo, os programas
da Microsoft –, ou pelo software livre – que pode
ser manipulado de acordo com os interesses dos usuários.
Uma vez que opte pelo software proprietário, a entidade
deve se comprometer a pagar as licenças de uso.
“O assunto auto-sustentabilidade é tratado desde
o primeiro encontro com a entidade disposta a ser parceira
da Fundação. Então, ao longo dos seis
meses em que a FBB ajuda a financiar o programa, monitores
de todas as escolas fazem encontros para elaborar a melhor
forma de manter suas salas. Uns contam com o apoio de cooperativas
de artesãos, outros fazem acordos com empresas ou com
prefeituras. Até autorizamos que, para ajudar nas despesas
da estação, seja cobrada uma taxa simbólica
proporcional ao valor que o usuário possa pagar, desde
que nunca se impeça o acesso de quem não tem
dinheiro”, contou Germana.
Mesmo recente, o Programa de Inclusa Digital da FBB já
tem gerado resultados satisfatórios. A coordenadora
observa que, depois de certo tempo, a comunidade realmente
entende a importância das estações e por
isso Germana não teme que um dia elas se tornem fonte
de renda para aproveitadores.
“Eu vejo que a comunidade se apropria das estações,
que elas passam a ficar acima de qualquer questão política
ou partidária. A partir daí, a própria
comunidade protege aquele lugar. Mesmo assim, se a Fundação
notar que há alguma irregularidade, os computadores
são transferidos para outra comunidade”, pondera
Germana Macena.
Um novo vício
A estação de Teresina é um bom
exemplo de como isso funciona. E bem. Os próprios moradores
conseguiram estabelecer uma parceria com uma empresa de ônibus
para transportar gratuitamente a criançada das comunidades
distantes até as salas de aula. Hoje, os 21 computadores
ligados à internet servem de laboratório para
300 crianças, que são divididas em 15 turmas.
Nelas, as crianças aprendem as ferramentas do programa
Open Office – um software livre semelhante ao Office
da Microsoft – e da internet e podem fazer ainda uma
introdução ao sistema operacional Linux.
Quatro meses depois de inaugurada a estação,
os meninos que ainda pertencem às gangues de traficantes
das regiões mais violentas do bairro de São
Marcos – Prainha, Buriti dos Lopes e São Pedro
de Cima – aprenderam a ter respeito pelo espaço,
muito graças à liderança de Francisco
do Nascimento Júnior. Nascido e criado em São
Marcos, em sua juventude humilde ele foi engraxate, zelador,
vendedor, ajudante de mecânico e chegou a pedir esmolas
nas ruas. Sem dinheiro até mesmo para se alimentar,
mas com muita vontade de aprender história para poder
ensiná-la aos outros, Júnior pediu para cursar
gratuitamente um pré-vestibular do Sesc de Teresina,
com a promessa de pagar o estudo quando entrasse na universidade.
“Não sei como eu passei para o curso de história
da Faculdade Federal do Piauí. Dormi dois dias com
o jornal que trazia o resultado do vestibular debaixo do braço
para garantir que meu nome não sairia dali. Naqueles
dias, decidi que passaria a vida ajudando as pessoas”,
conta o então calouro que hoje também cursa
ciências sociais e teologia.
Agora, aos 33 anos, Júnior coordena a ONG Movimento
pela Paz na Periferia, que criou há dois anos para
promover a inclusão social por meio de oficinas de
rap, grafite e dança de rua. E por experiência
própria confirma que a opção pelas drogas
se dá por falta de acesso a diversão, lazer,
cultura e comida. Quando encontram computadores da estação
implantada pela FBB, os jovens preenchem esse vácuo
, ele assegura.
“Muitos jovens que viviam pelas ruas me contam que
estão viciados nas salas e nos programinhas de bate-papo.
Eles adoram ficar conversando e navegando na internet. Hoje,
conseguimos dar cursos de informática que custariam
mais de 150 reais. No futuro, estes aprendizes estarão
disseminando seus conhecimentos em informática para
outras gerações”, sonha Francisco Nascimento
Júnior.
DANIELLE CHEVRAND
da Fundação Banco do Brasil
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