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A fome vai ser o marajá de Lula?

Raras vezes um programa contra a miséria mereceu, no Brasil, tantas críticas de técnicos - e com tanta amplitude - como o plano de combate à fome lançado na semana passada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O programa tem inconsistências, mas a polêmica, pela dimensão alcançada, é inédita e revela um avanço extraordinário na análise de políticas sociais.

Há falhas visíveis e óbvias, como exigir de analfabetos e semi-analfabetos que colecionem notas fiscais em regiões em que impera o mercado informal. Presume-se, preconceituosamente, que pobre é incapaz de cuidar de si próprio. Seriam, então, protegidos por comissões, centralizadas em Brasília, que analisariam nota por nota. Nem sequer definiu-se quem, de fato, precisa ser atendido - já que o governo trabalha com números irreais de 45 milhões de famintos - e muito menos como será a articulação das diversas esferas de governo (federal, estaduais e municipais) para enfrentar a desnutrição.

Se, por uma hipótese absurda, um inimigo do PT, disfarçado de aliado, tivesse a chance de elaborar um projeto oficial para desgastar o governo, possivelmente não teria proposto medidas muito diferentes das que estão no Fome Zero. Conseguiram, mesmo em áreas do Partido dos Trabalhadores, lançar a suspeita de que o plano esteja mais focado na necessidade de dar uma marca ao governo Lula do que propriamente em diminuir a desnutrição.

O Fome Zero não é um programa orientado menos por critérios técnicos e mais por critérios políticos. Lula e seus assessores sabem que, a médio prazo, não vão oferecer bons indicadores de salários, de empregos e, muito menos, de segurança pública.

Necessita-se urgentemente de uma bandeira que mantenha a população conectada ao sonho da mudança para que não sobressaiam notícias como o aumento da taxa de juros, a redução dos gastos orçamentários, o ataque aos aposentados do setor público.

Se Lula somente tivesse melhorado os mecanismos já existentes de distribuição de renda, teria oferecido a melhor saída técnica, mas ficaria sem nada de marcante para exibir.

O debate detonado pelo Fome Zero, no entanto, é uma inovação. Movido ou não pelo marketing, Lula conseguiu colocar a miséria, simbolizada pela fome, no centro da agenda brasileira - e obrigou algumas das principais inteligências do país a pensar em soluções para o notório absurdo de pessoas não terem o que comer em uma nação com tantas terras férteis e tanta tecnologia. Não é pouca coisa.

Mais importante é a evolução das políticas compensatórias de redução da miséria. Até pouco tempo atrás, tais recursos eram essencialmente assistencialistas, muitas vezes administrados pela sensibilidade desastrosa de primeiras-damas. Ou se prestavam a moeda de troca nas eleições.

O aumento da degradação nas cidades, a persistência na má distribuição de renda, a explosão da violência e, em especial, a visível ineficácia de planos assistenciais estimularam o surgimento de estudos - e ajudaram a formar técnicos - que passaram a medir cientificamente as ações de redução da miséria.

Esses estudos prosperam no setor público em lugares como o Ipea, o IBGE ou núcleos de análise de políticas sociais, especialmente nas universidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, desenvolviam-se entidades do chamado terceiro setor, onde foram elaboradas pilhas de documentos indicando a falta de foco dos projetos e o desperdício da fragmentação. Submetidos a uma investigação rigorosa para medir seu impacto, muitos programas exibiam falta de consistência e desperdícios.

Reflexo desse debate técnico, o próprio PT foi pioneiro em ações, mais tarde encampadas pelo governo federal, que deram mais consistência à distribuição de recursos, com a exigência de contrapartidas do beneficiário.

Transformou-se em uma obsessão dos técnicos sérios definir com precisão o foco, estabelecer a rede de parceiras multidisciplinares e estabelecer um mecanismo para avaliar, posteriormente, o impacto do dinheiro investido. Por causa dessa relação, a pediatra Zilda Arns, gastando pouco e colhendo muito, tornou-se uma referência mundial na luta contra a subnutrição.

O ineditismo da polêmica do Fome Zero se deve ao fato de um presidente ter colocado a miséria no topo das preocupações brasileiras, combinado com a sofisticação do olhar da sociedade para os gastos sociais.

Se Lula não melhorar esse plano, apresentando resultados concretos, corre o risco de fazer da fome o que eram os marajás para Fernando Collor - apenas uma peça publicitária para encantar o imaginário popular.

P. S. - Um dos estudos mais interessantes que já vi sobre o impacto de políticas sociais foi feito pelo ministro Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Ele queria melhorar a produtividade em suas empresa (a Sadia). Investiu na educação básica dos funcionários e de seus familiares e conseguiu medir quanto cada ano de escolaridade implicava aumento de escolaridade, de renda e de lucratividade.

 
 
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