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Graziano
e os novíssimos baianos
São
despropositados os ataques -amplificados nacionalmente na
semana passada- contra o ministro José Graziano motivados
pela gafe que cometeu contra os nordestinos ao tê-los
apontado como mão-de-obra para a criminalidade em São
Paulo. Não faz sentido chamá-lo de preconceituoso,
até porque ele assessora há anos o pernambucano
Lula. É a exploração política
de uma frase infeliz.
Frases
infelizes podem revelar -e frequentemente revelam- a essência
de um indivíduo protegido pelas conveniências.
Não é o caso: quem conhece Graziano sabe que,
apesar do amadorismo do plano contra a fome, ele está
preocupado com a subnutrição nordestina. Ele
tentou um truque retórico em seu discurso para sensibilizar
os empresários paulistas, segmento em que prospera,
silenciosamente ou não, uma visão depreciativa
dos migrantes, além do pavor da violência.
O problema
do ministro não é o preconceito, mas a ignorância:
ele não conhece nem as causas da criminalidade nem
os movimentos migratórios. Mesmo que, num passe de
mágica, a migração cessasse, a delinquência
não cairia.
As estatísticas
mostram que a criminalidade da região metropolitana
está ligada não às imigrações
ou às migrações, mas ao desemprego e,
mais especificamente, ao desemprego da juventude. Dados da
Prefeitura de São Paulo indicam que a exclusão
mudou de perfil e atinge mesmo quem tem alta escolaridade
e nasceu em São Paulo -pouco tem a ver como o fluxo
de pessoas.
A Folha
divulgou estudo, na semana passada, que dá uma noção
precisa do estrago do desemprego e da perda de poder aquisitivo
na paisagem urbana. De 1991 a 2000, surgiu, na cidade, uma
favela a cada oito dias; são hoje 2.018 favelas, que
abrigam 1,16 milhão de pessoas. Ocupam 2% do território
de São Paulo.
Em dez
anos, a população de São Paulo cresceu
8% e está caindo ano a ano, no entanto o número
de moradores em favelas aumentou 30%.
São
Paulo já recebeu várias vezes mais gente de
fora do que recebe atualmente e, mesmo assim, a criminalidade
não era um assunto de primeira página de jornal
-as crianças andavam sossegadas nas ruas.
O que
Graziano disse sem querer é o que muitos paulistanos
sentem e até gostariam de dizer. Os sinais da desconsideração
são visíveis. Somos a maior cidade nordestina,
mas não há um museu para contar a aventura dos
migrantes. Eles não recebem em nenhum lugar (rigorosamente,
nenhum) nenhuma homenagem ou reverência à sua
contribuição para a prosperidade de São
Paulo.
Sua trajetória
não é tema nas escolas, muitas delas tão
preocupadas com os negros e com os índios. Os migrantes
nordestinos não aparecem como heróis em novelas
sobre a saga paulistana, papel concedido aos europeus. Designa-se
como "baiano", muitas vezes pejorativamente, quem
vem do Nordeste, associando-o à lenda da preguiça,
da pouca disposição para o trabalho e mesmo
à ignorância e até ao crime.
Reflexo
da desinformação, não existem nem estudos
nem estatísticas sobre as novas ondas migratórias
do que poderíamos chamar de "novíssimos
baianos". Por ser o principal centro de possibilidades
econômicas, São Paulo tem atraído levas
de jovens nordestinos altamente qualificados e motivados.
Há os que já possuem diploma universitário
e estão em busca de cursos de pós-graduação;
outros querem entrar na faculdade em busca de mais qualidade
de ensino.
Profissionais
vêm para cá porque seus sonhos são grandes
demais para as cidades em que vivem. São tipos como
o publicitário Nizan Guanaes, a quem perguntaram, certa
vez, por que deixou Salvador. "Eu me sentia como um trator
num pequeno sítio." Ironicamente, completou o
autor da afirmação de que "baiano não
nasce, estréia": "Lá eu não
me destaco". Duda Mendonça, outra estrela publicitária,
tem aqui o cérebro de suas operações,
o que lhe dá dimensão nacional. Lula só
conseguiu ser Lula porque acionou em São Paulo seu
"trator", depois de abandonar o sindicalismo.
Nem mesmo
os cariocas conseguem mais resistir à sedução
de São Paulo. Muitos, de perfil idêntico ao dos
"novíssimos baianos", preferem trocar uma
das mais belas paisagens do planeta por mais possibilidades
profissionais.
Cidades
que não atraem pessoas são, por definição,
desinteressantes pela falta de energia e de vigor econômico.
Gente com vontade de prosperar não empobrece, mas enriquece
uma comunidade. Nova York só é Nova York porque
exerce no planeta a atração que São Paulo
exerce no Brasil. Vou dizer mais uma vez: não é
nem nunca será a cidade brasileira mais aprazível,
continuará sendo, por tempo indefinido, um exemplo
de caos urbano, mas é cada vez mais um pólo
mundial de excelência e criatividade, que vai da moda
às artes plásticas e à ciência,
passando pela medicina, pela culinária e pela publicidade.
Crime
moral é não reconhecer que essa efervescência
ocorre, em larga medida, porque recebemos os talentos de fora.
PS - Por
falar em fome e emprego, Lula decidiu, contrariado, retardar
o lançamento do programa Primeiro Emprego, prioridade
de sua gestão, incomodado com as críticas sobre
a improvisação e o amadorismo do Fome Zero.
Acha que as críticas -muitas delas, segundo ele, fundamentadas-
arranharam a imagem de seu governo. Estão chamando
técnicos do Banco Mundial para modelar os projetos
que facilitarão o acesso do jovem ao emprego e, antes
de anunciá-los, vão submetê-los a especialistas
em mercado de trabalho. No mais, ainda não se sabe
o essencial: de onde vai sair o dinheiro.
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