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Semana de 04.02.02 a 10.02.02

 

Ex-militares treinam tráfico no Rio

Superando o absurdo que são os policiais que colaboram com o crime organizado, a imprensa descobre agora ex-militares que prestam o desfavor à sociedade que pagou pelo seu treinamento. Em favelas do Rio, está se tornando comum encontrar ex-soldados e ex-cabos da Brigada Pára-Quedista do Exército (PQDs) que treinam traficantes em troca de até R$ 3 mil por aula ou R$ 8 mil por mês.

Em todo o Rio, pelo menos 15 ex-militares treinam bandidos, num total de 265 jovens, o equivalente a metade de um batalhão da PM como o do Leblon. Além de ensinar táticas de guerrilha urbana, sobrevivência na selva e manuseio de armas pesadas, eles usam fardas e granadas exclusivas das Forças Armadas, desviadas do próprio Exército. Os exercícios são feitos nas favelas ou em campos próximos aos morros, em turmas de 14 a 20 alunos.

O desligamento de oficiais acontece anualmente no Exército. Só neste ano, em todo o Brasil, 2 mil soldados e cabos das chamadas tropas de elite (Brigada Pára-Quedista e Forças Especiais) ficarão sem emprego aos 28 anos, depois de nove anos de serviço militar. No Exército, ganham em média R$ 800. Teriam direito a engajamento automático - seriam "contratados" - no décimo ano, mas as Forças Armadas querem renovar seus quadros.

Enquanto diz investigar seus ex-soldados, o Exército sugere que a solução está nas mãos da sociedade, que deveria conseguindo absorver este contingente. Já a polícia se vira para lidar com criminosos altamente qualificados pelos ex-militares.

A disciplina militar é facilmente invertida pelos "sargentos" do tráfico, como mostra o caso de um ex-pára-quedista que treina 14 jovens traficantes numa favela da Zona Oeste do Rio. Ele não usa drogas, nem admite que seus alunos consumam. Usa voz firme e linguagem militar.

"A primeira aula é para aprender a mexer no fuzil 7,62. Ensino a técnica da camuflagem, como pular pelas casas, manusear granada, além de dar dicas", conta. Segundo ele, os alunos gostam de mexer em armas e "dizem que querem ser soldado universal", uma referência ao filme pancadaria de Jean Claude Van-Damme.

O ex-pára-quedista destaca um de seus alunos: "Tem um de 17 anos, o único da turma, porque eu não gosto de treinar menores. Ele atira bem de pistola. Não deixo ele pegar num fuzil. Isso requer responsabilidade. Um fuzil perfura parede". Muito ético da parte dele.

Leia mais

As forças armadas do tráfico

Polícia vai tentar identificar ex-militares

Bandidos tentaram cooptar ex-soldado

'Soldado universal'

 
 
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As forças armadas do tráfico

As favelas do Rio estão se militarizando. Recém-saídos da caserna, ex-soldados e ex-cabos da Brigada Pára-Quedista do Exército (PQDs) treinam traficantes em troca de até R$ 3 mil por aula ou R$ 8 mil por mês. Alguns dos ex-militares chegam a ser "gerentes" das bocas-de-fumo. Num morro na Zona Oeste, por exemplo, há cinco ex-pára-quedistas responsáveis pelos cursos. Em toda a cidade, pelo menos 15 ex-militares treinam bandidos, num total de 265 jovens, o equivalente a metade de um batalhão da PM como o do Leblon.

Táticas de guerrilha urbana, sobrevivência na selva e manuseio de armas pesadas e granadas são algumas das instruções que os mercenários passam para os bandidos - principalmente do Comando Vermelho - responsáveis pela segurança e pela manutenção do poderio do tráfico nas favelas do Rio. Eles usam fardas e granadas de uso exclusivo das Forças Armadas, desviadas do próprio Exército. Os exercícios são feitos nas próprias favelas ou em campos nas imediações dos morros. Cada turma tem de 14 a 20 alunos.

No dia 28 de março, o Exército fará, em todo o Brasil, o desligamento (desengajamento na linguagem militar) de dois mil soldados e cabos das tropas de elite (Brigada Pára-Quedista e Forças Especiais). Só no Rio serão desligados 700. Trata-se de militares que ganham em média R$ 800 e têm até nove anos de serviço - a legislação prevê o engajamento automático no décimo ano.

Um oficial da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) informou que o Exército investiga seus ex-militares. No entanto, segundo o coronel Ivan Cosme de Oliveira Pinheiro, oficial de Comunicação Social do Comando Militar do Leste (CML), o Exército toma conhecimento das ligações de ex-militares com o tráfico pela imprensa.

- O Exército está preocupado, mas talvez a responsabilidade de dar a solução esteja nas mãos da sociedade, que não está conseguindo absorver este contingente - disse o oficial, acrescentando que o Exército defende a renovação de seus quadros e não pode se responsabilizar pelos atos dos ex-militares.

 
 
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Polícia vai tentar identificar ex-militares

A participação de ex-militares no treinamento do tráfico já era do conhecimento do chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro Lins:

- Combater pessoas qualificadas complica ainda mais o trabalho da polícia. Os ex-militares são máquinas de guerra. Vou pedir ao Comando Militar do Leste a relação dos militares de forças de elite que deixaram o Exército, para identificarmos quem passou para o lado do tráfico - disse Lins.

Há cinco anos, a Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) já investiga a participação de ex-militares no tráfico. Um dos detetives da divisão citou o caso de Renato França, o Mão, ex-fuzileiro naval que morreu numa troca de tiros com a polícia numa favela em Jacarepaguá. Outro caso é o do traficante Marcelo Soares de Medeiros, o Marcelo PQD, do Morro do Dendê, na Ilha do Governador. Ex-pára-quedista, ele foi condenado a 11 anos de prisão e está em Bangu I. O bandido conhecido como Lua, braço direito do traficante Marcelo Lucas da Silva, o Café, do Morro do Andaraí, também foi pára-quedista.

Preocupada com o desligamento de cabos e soldados, a relatora da CPI do Narcotráfico, a deputada federal Laura Carneiro (PFL-RJ), se encontrou com o ministro da Defesa, Geraldo Quintão, e pediu que ele reavaliasse a situação dos militares.

- É a primeira vez que o Exército põe na rua um número tão alto de cabos e soldados especializados. Num momento de desemprego e crise na área da segurança pública, estes homens têm que ser reaproveitados. Eles podem ser treinados para reforçar a segurança nas nossas fronteiras - disse Laura.

Outro que se mostra preocupado é o subtenente da reserva do Exército Carlos Franco, representante da Confederação dos Militares da Reserva Remunerada no Rio. Ele frisou que, ao desligar um militar preparado para a guerra, o Exército torna disponível uma mão-de-obra especializada cobiçada por traficantes.

- Pôr na rua homens altamente especializados, como os soldados e cabos da Brigada Pára-Quedista, de 28 anos em média, com até nove anos de vida militar, é criar um problema social. O Exército criou esperança nesses homens e, depois de que eles aprenderam técnicas específicas de guerra, são abandonados - criticou Franco.

 
 
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Bandidos tentaram cooptar ex-soldado

Apesar dos insistentes convites de traficantes para que ensinasse táticas de guerra, o ex-soldado da Brigada Pára-Quedista Luiz André Ferreira da Silva, de 28 anos, sempre se negou a ingressar no crime. Luiz serviu ao Exército durante oito anos e só deixou a caserna, no ano passado, quando soube que havia passado na prova escrita da PM. Cinco dias depois de ter dado baixa, veio a surpresa. Seu exame psicotécnico apontou que ele, no momento do teste, não estava com o temperamento compatível com o de um policial militar.

- Foi uma ducha de água fria. Está certo que eu fui treinado para a guerra, mas eu sempre fui tranqüilo - lembra Luiz.

Vivendo de bico na área de segurança, o candidato não desistiu de ser policial militar e recorreu à Justiça para ingressar na PM. Seu caso ainda está sub judice .

- Meu sonho é ser PM. Minha mãe criou sete filhos sozinha, se sacrificou para que ninguém fosse vagabundo - contou Luiz.

O candidato lembra que já perdeu pelo menos dois amigos pára-quedistas para o tráfico, o que ele atribui à fraqueza de espírito.

- Eles tinham miolo mole - comentou.

Quando vinha de um casamento de um outro colega pára-quedista, Luiz deu carona a um dos amigos que entrou para o tráfico:

- Eu não sabia que ele tinha entrado nessa vida. Ele me perguntou se eu estava decidido a ser um verme, referindo-se à carreira de policial militar. Eu disse que era o que eu gostava - contou.

Não satisfeito, o amigo que entrou para o tráfico lhe perguntou o que aconteceria se os dois se encontrassem em campos opostos:

- Você vai me poupar? - perguntou o amigo no carro.

Luiz não hesitou:

- Não vai ter jeito. A gente vai bater de frente. Eu serei policial.

Outro amigo seu, Luís Augusto da Silva, de 27 anos, passou seis anos no Exército e fez o concurso da PM, mas foi reprovado no psicotécnico. Ele foi à Justiça, mas não teve sucesso.

- Tenho quatro amigos que também foram reprovados no psicotécnico da PM. Dos 64 que serviram comigo, quatro tentaram a sorte no concurso da PM, 15 morreram ou foram para o tráfico - contou Luís Augusto.

 
 
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'Soldado universal'

Ex-pára-quedista, PQD treina um exército de 14 jovens traficantes numa favela da Zona Oeste, a maioria com idade acima de 18 anos, e impõe sua própria disciplina. Não usa drogas, nem admite que seus alunos consumam. Sua voz é firme e sua linguagem, militar.

Como foi o convite do tráfico para você treinar os jovens?

PQD: Eu tinha acabado de sair da Brigada Pára-Quedista. Não conseguia arrumar um emprego. O pessoal do tráfico me disse que o "homem" (dono da favela) estava precisando treinar seus seguranças. Eu aceitei o convite.

Quantos treinam os traficantes?

PQD: Somos cinco pára-quedistas. Pára-quedista e fuzileiro naval sempre têm vaga no tráfico. O tráfico sempre tira gente da Brigada.

O que você ensina aos seus alunos?

PQD: A primeira aula é para aprender a mexer no fuzil 7,62. Ensino a técnica da camuflagem, como pular pelas casas, manusear granada, além de dar dicas.

Quais dicas?

PQD: Por exemplo, ensino que eles não devem usar armas ou objetos cromados, pois à noite eles brilham. Quem estiver com roupa preta, nunca deve passar em frente a paredes brancas. Com roupa camuflada, eles têm que se esconder na vegetação, tendo o cuidado de não pisar no capim seco. Faz barulho.

Os alunos aprendem rápido?

PQD: Eles gostam de mexer em armas. Eles dizem que querem ser soldado universal (referência a um filme de Jean Claude Van-Damme). Você precisa vê-los descer quatro D-20 numa ladeira.

Você impõe disciplina militar?

PQD: É o costume. Eu falo para eles não andarem com roupas de marca porque isso chama a atenção da polícia, mas eles só usam roupas da Cyclone.

Tem algum aluno que se destaca?

PQD: Tem um de 17 anos, o único da turma, porque eu não gosto de treinar menores. Ele atira bem de pistola. Não deixo ele pegar num fuzil. Isso requer responsabilidade. Um fuzil perfura parede.

(O Globo)

 
 
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