Ex-militares
treinam tráfico no Rio
Superando o
absurdo que são os policiais que colaboram com o crime organizado,
a imprensa descobre agora ex-militares que prestam o desfavor à
sociedade que pagou pelo seu treinamento. Em favelas do Rio, está
se tornando comum encontrar ex-soldados e ex-cabos da Brigada Pára-Quedista
do Exército (PQDs) que treinam traficantes em troca de até
R$ 3 mil por aula ou R$ 8 mil por mês.
Em todo o Rio,
pelo menos 15 ex-militares treinam bandidos, num total de 265 jovens,
o equivalente a metade de um batalhão da PM como o do Leblon.
Além de ensinar táticas de guerrilha urbana, sobrevivência
na selva e manuseio de armas pesadas, eles usam fardas e granadas
exclusivas das Forças Armadas, desviadas do próprio
Exército. Os exercícios são feitos nas favelas
ou em campos próximos aos morros, em turmas de 14 a 20 alunos.
O desligamento
de oficiais acontece anualmente no Exército. Só neste
ano, em todo o Brasil, 2 mil soldados e cabos das chamadas tropas
de elite (Brigada Pára-Quedista e Forças Especiais)
ficarão sem emprego aos 28 anos, depois de nove anos de serviço
militar. No Exército, ganham em média R$ 800. Teriam
direito a engajamento automático - seriam "contratados"
- no décimo ano, mas as Forças Armadas querem renovar
seus quadros.
Enquanto diz
investigar seus ex-soldados, o Exército sugere que a solução
está nas mãos da sociedade, que deveria conseguindo
absorver este contingente. Já a polícia se vira para
lidar com criminosos altamente qualificados pelos ex-militares.
A disciplina
militar é facilmente invertida pelos "sargentos"
do tráfico, como mostra o caso de um ex-pára-quedista
que treina 14 jovens traficantes numa favela da Zona Oeste do Rio.
Ele não usa drogas, nem admite que seus alunos consumam.
Usa voz firme e linguagem militar.
"A primeira
aula é para aprender a mexer no fuzil 7,62. Ensino a técnica
da camuflagem, como pular pelas casas, manusear granada, além
de dar dicas", conta. Segundo ele, os alunos gostam de mexer
em armas e "dizem que querem ser soldado universal", uma
referência ao filme pancadaria de Jean Claude Van-Damme.
O ex-pára-quedista
destaca um de seus alunos: "Tem um de 17 anos, o único
da turma, porque eu não gosto de treinar menores. Ele atira
bem de pistola. Não deixo ele pegar num fuzil. Isso requer
responsabilidade. Um fuzil perfura parede". Muito ético
da parte dele.
Leia
mais
As
forças armadas do tráfico
Polícia vai tentar identificar ex-militares
Bandidos tentaram cooptar ex-soldado
'Soldado universal'
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As
forças armadas do tráfico
As favelas do
Rio estão se militarizando. Recém-saídos da
caserna, ex-soldados e ex-cabos da Brigada Pára-Quedista
do Exército (PQDs) treinam traficantes em troca de até
R$ 3 mil por aula ou R$ 8 mil por mês. Alguns dos ex-militares
chegam a ser "gerentes" das bocas-de-fumo. Num morro na
Zona Oeste, por exemplo, há cinco ex-pára-quedistas
responsáveis pelos cursos. Em toda a cidade, pelo menos 15
ex-militares treinam bandidos, num total de 265 jovens, o equivalente
a metade de um batalhão da PM como o do Leblon.
Táticas
de guerrilha urbana, sobrevivência na selva e manuseio de
armas pesadas e granadas são algumas das instruções
que os mercenários passam para os bandidos - principalmente
do Comando Vermelho - responsáveis pela segurança
e pela manutenção do poderio do tráfico nas
favelas do Rio. Eles usam fardas e granadas de uso exclusivo das
Forças Armadas, desviadas do próprio Exército.
Os exercícios são feitos nas próprias favelas
ou em campos nas imediações dos morros. Cada turma
tem de 14 a 20 alunos.
No dia 28 de
março, o Exército fará, em todo o Brasil, o
desligamento (desengajamento na linguagem militar) de dois mil soldados
e cabos das tropas de elite (Brigada Pára-Quedista e Forças
Especiais). Só no Rio serão desligados 700. Trata-se
de militares que ganham em média R$ 800 e têm até
nove anos de serviço - a legislação prevê
o engajamento automático no décimo ano.
Um oficial da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) informou que
o Exército investiga seus ex-militares. No entanto, segundo
o coronel Ivan Cosme de Oliveira Pinheiro, oficial de Comunicação
Social do Comando Militar do Leste (CML), o Exército toma
conhecimento das ligações de ex-militares com o tráfico
pela imprensa.
- O Exército
está preocupado, mas talvez a responsabilidade de dar a solução
esteja nas mãos da sociedade, que não está
conseguindo absorver este contingente - disse o oficial, acrescentando
que o Exército defende a renovação de seus
quadros e não pode se responsabilizar pelos atos dos ex-militares.
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Polícia
vai tentar identificar ex-militares
A participação
de ex-militares no treinamento do tráfico já era do
conhecimento do chefe de Polícia Civil, delegado Álvaro
Lins:
- Combater pessoas
qualificadas complica ainda mais o trabalho da polícia. Os
ex-militares são máquinas de guerra. Vou pedir ao
Comando Militar do Leste a relação dos militares de
forças de elite que deixaram o Exército, para identificarmos
quem passou para o lado do tráfico - disse Lins.
Há cinco
anos, a Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE)
já investiga a participação de ex-militares
no tráfico. Um dos detetives da divisão citou o caso
de Renato França, o Mão, ex-fuzileiro naval que morreu
numa troca de tiros com a polícia numa favela em Jacarepaguá.
Outro caso é o do traficante Marcelo Soares de Medeiros,
o Marcelo PQD, do Morro do Dendê, na Ilha do Governador. Ex-pára-quedista,
ele foi condenado a 11 anos de prisão e está em Bangu
I. O bandido conhecido como Lua, braço direito do traficante
Marcelo Lucas da Silva, o Café, do Morro do Andaraí,
também foi pára-quedista.
Preocupada com
o desligamento de cabos e soldados, a relatora da CPI do Narcotráfico,
a deputada federal Laura Carneiro (PFL-RJ), se encontrou com o ministro
da Defesa, Geraldo Quintão, e pediu que ele reavaliasse a
situação dos militares.
- É a
primeira vez que o Exército põe na rua um número
tão alto de cabos e soldados especializados. Num momento
de desemprego e crise na área da segurança pública,
estes homens têm que ser reaproveitados. Eles podem ser treinados
para reforçar a segurança nas nossas fronteiras -
disse Laura.
Outro que se
mostra preocupado é o subtenente da reserva do Exército
Carlos Franco, representante da Confederação dos Militares
da Reserva Remunerada no Rio. Ele frisou que, ao desligar um militar
preparado para a guerra, o Exército torna disponível
uma mão-de-obra especializada cobiçada por traficantes.
- Pôr
na rua homens altamente especializados, como os soldados e cabos
da Brigada Pára-Quedista, de 28 anos em média, com
até nove anos de vida militar, é criar um problema
social. O Exército criou esperança nesses homens e,
depois de que eles aprenderam técnicas específicas
de guerra, são abandonados - criticou Franco.
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Bandidos
tentaram cooptar ex-soldado
Apesar dos insistentes
convites de traficantes para que ensinasse táticas de guerra,
o ex-soldado da Brigada Pára-Quedista Luiz André Ferreira
da Silva, de 28 anos, sempre se negou a ingressar no crime. Luiz
serviu ao Exército durante oito anos e só deixou a
caserna, no ano passado, quando soube que havia passado na prova
escrita da PM. Cinco dias depois de ter dado baixa, veio a surpresa.
Seu exame psicotécnico apontou que ele, no momento do teste,
não estava com o temperamento compatível com o de
um policial militar.
- Foi uma ducha
de água fria. Está certo que eu fui treinado para
a guerra, mas eu sempre fui tranqüilo - lembra Luiz.
Vivendo de bico
na área de segurança, o candidato não desistiu
de ser policial militar e recorreu à Justiça para
ingressar na PM. Seu caso ainda está sub judice .
- Meu sonho
é ser PM. Minha mãe criou sete filhos sozinha, se
sacrificou para que ninguém fosse vagabundo - contou Luiz.
O candidato
lembra que já perdeu pelo menos dois amigos pára-quedistas
para o tráfico, o que ele atribui à fraqueza de espírito.
- Eles tinham
miolo mole - comentou.
Quando vinha
de um casamento de um outro colega pára-quedista, Luiz deu
carona a um dos amigos que entrou para o tráfico:
- Eu não
sabia que ele tinha entrado nessa vida. Ele me perguntou se eu estava
decidido a ser um verme, referindo-se à carreira de policial
militar. Eu disse que era o que eu gostava - contou.
Não satisfeito,
o amigo que entrou para o tráfico lhe perguntou o que aconteceria
se os dois se encontrassem em campos opostos:
- Você
vai me poupar? - perguntou o amigo no carro.
Luiz não
hesitou:
- Não
vai ter jeito. A gente vai bater de frente. Eu serei policial.
Outro amigo
seu, Luís Augusto da Silva, de 27 anos, passou seis anos
no Exército e fez o concurso da PM, mas foi reprovado no
psicotécnico. Ele foi à Justiça, mas não
teve sucesso.
- Tenho quatro
amigos que também foram reprovados no psicotécnico
da PM. Dos 64 que serviram comigo, quatro tentaram a sorte no concurso
da PM, 15 morreram ou foram para o tráfico - contou Luís
Augusto.
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'Soldado
universal'
Ex-pára-quedista,
PQD treina um exército de 14 jovens traficantes numa favela
da Zona Oeste, a maioria com idade acima de 18 anos, e impõe
sua própria disciplina. Não usa drogas, nem admite
que seus alunos consumam. Sua voz é firme e sua linguagem,
militar.
Como foi o convite
do tráfico para você treinar os jovens?
PQD: Eu tinha
acabado de sair da Brigada Pára-Quedista. Não conseguia
arrumar um emprego. O pessoal do tráfico me disse que o "homem"
(dono da favela) estava precisando treinar seus seguranças.
Eu aceitei o convite.
Quantos treinam
os traficantes?
PQD: Somos cinco
pára-quedistas. Pára-quedista e fuzileiro naval sempre
têm vaga no tráfico. O tráfico sempre tira gente
da Brigada.
O que você
ensina aos seus alunos?
PQD: A primeira
aula é para aprender a mexer no fuzil 7,62. Ensino a técnica
da camuflagem, como pular pelas casas, manusear granada, além
de dar dicas.
Quais dicas?
PQD: Por exemplo,
ensino que eles não devem usar armas ou objetos cromados,
pois à noite eles brilham. Quem estiver com roupa preta,
nunca deve passar em frente a paredes brancas. Com roupa camuflada,
eles têm que se esconder na vegetação, tendo
o cuidado de não pisar no capim seco. Faz barulho.
Os alunos aprendem
rápido?
PQD: Eles gostam
de mexer em armas. Eles dizem que querem ser soldado universal (referência
a um filme de Jean Claude Van-Damme). Você precisa vê-los
descer quatro D-20 numa ladeira.
Você impõe
disciplina militar?
PQD: É
o costume. Eu falo para eles não andarem com roupas de marca
porque isso chama a atenção da polícia, mas
eles só usam roupas da Cyclone.
Tem algum aluno
que se destaca?
PQD: Tem um
de 17 anos, o único da turma, porque eu não gosto
de treinar menores. Ele atira bem de pistola. Não deixo ele
pegar num fuzil. Isso requer responsabilidade. Um fuzil perfura
parede.
(O Globo)
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