Depressão pode ocorrer mesmo depois de gravidez desejada
ADRIANA
RESENDE
da Folha Online
"O que devo fazer com meu filho? Será que devo pôr um agasalho nele?"
"Será que preciso dar comida agora?" "Não queria meu bebê aqui. Talvez
fosse melhor que eu morresse. Ou ele." Quando a mãe tem dificuldades
em tomar pequenas decisões em relação à criança e chega até mesmo
a pensamentos obsessivos, é bom ficar atento: ela pode estar com depressão
puerperal, chamada também de pós-parto.
A doença é resultado de um estado de estresse que pode começar no
terceiro ou quarto mês de gravidez ou nos primeiros meses depois do
nascimento da criança. Esse estresse pode ser provocado por alterações
hormonais ou físicas com as mudanças que o corpo sofre. Medos e conflitos
internos anteriores voltam à tona, e a reestruturação da vida _"tornar-se
mãe"_ se transforma numa tarefa difícil.
É claro que nem todas as dúvidas e tristezas de mães de "primeira
viagem" ou mesmo das mais experientes são consideradas depressão grave.
As chances disso acontecer dependem de vários fatores, mas são maiores
em mulheres que já tiveram depressão antes ou que tenham casos da
doença na família.
Os sintomas do distúrbio puerperal são os mesmos de uma depressão
comum, em qualquer época da vida: cansaço, sonolência ou insônia,
alterações de humor, de peso e de apetite, inclusive sexual. Acordar
durante a madrugada e não dormir novamente é um ato típico dos períodos
de depressão. É uma forma diferente da insônia comum, em que as pessoas,
em geral, demoram a conseguir adormecer.
Apesar de todas as semelhanças, o maior problema é que, como essa
é uma época especial, a mulher acaba direcionando seus medos e suas
frustrações para a família e para o bebê. Afinal, ela espera o filho
com ansiedade, curte muito a gravidez, mas, de repente, o bebê nasce
e ela se sente deprimida, triste, às vezes nem sabe o que fazer com
a criança. Ela chega a desejar que o filho fique longe.
Em outros casos, a gravidez vem de surpresa, a mãe não está preparada.
Se for jovem, a mulher pode se influenciar mais pelos problemas da
família, de amigos ou do trabalho, e a situação pode piorar. A preocupação
com o próprio sustento e o do bebê é um dos fatores que agravam o
quadro depressivo.
Chances
De toda a população mundial, segundo dados da OMS (Organização Mundial
da Saúde), a depressão pode ocorrer entre 5% e 8%, o que equivale
a um número entre 300 milhões e 480 milhões de pessoas com depressão.
No Brasil, esse contingente fica entre oito e dez milhões de pessoas.
Embora não se conheçam os genes que podem causar o distúrbio, sabe-se
que a hereditariedade é um fator a ser considerado. A probabilidade
é que a depressão ocorra em duas mulheres para cada homem, podendo
chegar à proporção de três para um.
De maneira geral, as chances de ocorrer a depressão no período pós-parto
são cerca de 25% maiores que em outra fase da vida da mulher. Assim,
se a ocorrência de depressão em mulheres gira em torno 20% e 25%,
no pós-parto, a probabilidade aumenta para uma faixa entre 35% e 40%.
Como a mãe se sente?
O sentimento de rejeição e a falta de interesse pelo filho são comuns.
É normal ficar apática, perder a vontade de fazer coisas corriqueiras,
como escovar os dentes, tomar banho ou ler jornal. Mas pode acontecer
o contrário: irritabilidade, agitação e agressividade.
Os sentimentos são confusos. Há casos em que a mãe se sente culpada
por não estar cuidando bem do filho e decepcionar a família. Em outras
situações, não está "nem aí". Parece um robô, sem sentimento por ninguém,
e tem dificuldade de se relacionar com as outras pessoas.
O corpo também reage e reflete toda essa indisposição mental. Podem
ocorrer dores por todo o organismo: musculares, no estômago e na cabeça,
e sintomas de cansaço e de tensão. O sono pode aumentar muito, dar
aquela vontade de "dormir e não acordar mais", ou uma dificuldade
excessiva de adormecer.
A memorização é outra grande dificuldade. Como a mulher tem pensamentos
negativos que se repetem insistentemente durante essa fase, ela acaba
perdendo a concentração, e a memória falha muito. Às vezes, ela até
esquece de alimentar ou trocar o bebê.
Apoio é fundamental
Nessas horas, paciência é essencial. A mulher fica irritada, ansiosa,
e, na maioria dos casos, desconta tudo isso em quem estiver mais próximo:
pais, amigos e o marido ou namorado.
Carinho e colo não fazem mal a ninguém. A família deve estar atenta
à mãe depressiva, principalmente se ela manifestar vontade de suicídio
ou de maltratar o filho. É preciso incentivar a pessoa a continuar
com suas atividades, mas respeitando os limites de cada um.
A recuperação acontece de forma gradual. A família não deve cobrar
da mãe uma reação rápida porque ela poderá se sentir culpada por não
estar desempenhando bem o seu papel.
Tratamento
A depressão é uma doença crônica. Isso significa que, geralmente,
ela acontece em ciclos, que podem se repetir algumas vezes. Mas isso
não quer dizer que as fases depressivas durem para sempre.
Há os chamados "blues", dias de tristeza logo depois do parto. Se
essa tristeza passa logo, não está caracterizada a depressão puerperal.
Neste período, especificamente, ela pode durar, em média, entre duas
e quatro semanas. Casos mais graves podem chegar a dois meses.
O tratamento pode ser feito de três formas. Utilizando apenas apoio
de um terapeuta, baseando-se em medicamentos antidepressivos ou unindo
os dois métodos. O importante é que, aos primeiros sintomas, a pessoa
procure ajuda. Esse pode ser o primeiro passo em direção à melhora
do estado emocional e físico.
A falta da ajuda de especialistas, às vezes, pode levar a um agravamento
da situação. Há casos em que, por não se tratar durante vários meses
e até anos, a pessoa conviva com a doença como incurável. Assim que
a mulher percebe que precisa de apoio profissional e o procura, a
fase prolongada pode se resolver rapidamente.
É aconselhável, nos casos mais graves, tomar medicamentos, alopáticos
ou homeopáticos, ou fazer terapia, por pelo menos seis meses. Com
a melhora, o médico ou terapeuta diminui gradualmente a frequência
das consultas.
Mas a mãe e a família devem estar atentas. Se a mulher já teve depressão
depois de partos anteriores, deve fazer um tratamento preventivo.
Nesse caso, ela deve ser medicada no primeiro dia, logo após o nascimento
do bebê.
Mesmo se for a primeira ocorrência da doença, o tratamento tem de
ser seguido à risca e não deve ser interrompido. Quando há interrupção,
a pessoa continua se sentindo despreparada para enfrentar problemas
pessoais, mesmo os mais simples.
Fontes: Rubens
Pitliuk, psiquiatra e perito do Hospital Albert Einstein, de São
Paulo; Antonio Geraldo
da Silva, psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de
Brasília; Cilly Klugerissler, psiquiatra e médica-assistente do Grupo
de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas,
de São Paulo (0/xx/11/572-4827).
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