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03/04/2008 - 08h32

Saiba mais sobre a aracnoidite, doença que acometeu a mulher do filósofo André Gorz

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JULLIANE SILVEIRA
da Folha de S.Paulo

Ela faria 82 anos de idade e 58 de casada quando recebeu uma carta de seu marido. Estava doente havia mais de 30 anos -tinha aracnoidite- e ele, que não conseguiria viver sem ela, precisava expressar todo o seu amor. Pouco depois de um ano, em setembro de 2007, decidiram ambos pelo suicídio, pois não desejavam "sobreviver um à morte do outro", como ele escreveu. Foram encontrados juntos em sua casa.

Divulgação
O filósofo André Gorz com a mulher, Dorine, em 1947
O filósofo André Gorz com a esposa, Dorine, em 1947

A carta para Dorine, redigida pelo filósofo austríaco radicado na França André Gorz, virou livro. No Brasil, a primeira tiragem, de 5.000 exemplares, se esgotou em uma semana. "Carta a D." se mantém em listas dos dez livros mais vendidos no país há um mês.

Gorz relata, além de declarações de amor irrepreensíveis, o sofrimento de sua mulher, que tinha uma inflamação na aracnóide, uma das membranas que recobrem o cérebro e a medula espinhal, ocasionada por resíduos de um contraste para radiografia aplicado nela oito anos antes, quando foi operada de hérnia de disco.

"A aracnoidite é uma meningite química, uma reação inflamatória da membrana, que pode gerar uma espécie de fibrose na região inflamada e causar dores", explica o neurologista Osvaldo Takayanagui, diretor científico da Academia Brasileira de Neurologia. No caso de Dorine, o lipiodol, substância contrastante feita de óleo de papoula, havia desencadeado o problema. "Uma parte do líquido tinha subido até as fossas cranianas e a outra formara um cisto na região cervical", conta Gorz no livro.

O produto, aplicado em exames radiológicos, circulava pelo liquor -líquido que passa dentro da medula espinhal, próximo à aracnóide. Se não fosse totalmente eliminado após o procedimento, poderia irritar a membrana onde se depositasse, na cabeça ou em qualquer parte da medula. Por ser oleoso, aderia-se mais facilmente ao organismo.

Há bastante tempo, o lipiodol deixou de ser utilizado como agente contrastante em exames, sendo substituído por contrastes hidrossolúveis que, depois, foram excluídos pela ressonância magnética e por outros métodos mais minuciosos para diagnosticar problemas na coluna, diz Takayanagui. Hoje, é usado para combater tumores do fígado, e o uso de outros contrastes em exames desse tipo é incomum.

A aracnoidite, no entanto, ainda acomete algumas pessoas e geralmente é causada por processos inflamatórios crônicos da tuberculose e da cisticercose e por fungos.

"Essas doenças podem produzir uma inflamação na membrana e a irritação crônica leva ao espessamento da região, o que pode comprimir as raízes nervosas ou da medula espinhal", diz o neurocirurgião Mirto Nelso Prandini, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

A cisticercose, por exemplo, pode atingir a parte craniana da membrana e, apesar de menos comum, a compressão pode causar comprometimento de nervos cranianos, hidrocefalia e problemas de visão dupla. Ao longo da medula, pode provocar dores e sensação de fraqueza nas pernas.

O tratamento é clínico, feito à base de corticóides ministrados com medicamentos usados para combater a infecção e minimizar as dores. Esses remédios, conta Prandini, são paliativos, já que o espessamento é irreversível. "Uma alternativa para alguns casos é a cirurgia, mas é extremamente delicada, atinge as raízes nervosas e o índice de sucesso não é muito grande. O ideal é conviver com o problema e ter a operação como última alternativa. É preciso se adaptar."

Por esse motivo, como conta seu marido, Dorine decidiu abolir os remédios e minimizar os incômodos com aulas de ioga e com autodisciplina. No entanto, com o passar dos anos, as dores de cabeça e em todo o corpo aumentaram e passaram a interferir muito em sua rotina. "Eu queria acreditar que nós tínhamos tudo em comum, mas você estava sozinha em sua aflição", lamenta o autor a certa altura da carta. Nós acreditamos que ela não estava só.

Carta a D.: História de um Amor
Autor: André Gorz
Co-edição: Annablume/Cosac Naify
Tradução: Celso Azzan Jr.
Quanto: R$ 29 (80 págs.)

 

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