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02/09/2000 - 14h14

EUA assediam seleção feminina de futebol

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da Folha de S. Paulo

O futebol feminino do Brasil compete em Sydney de olho em Atlanta. O que parece uma inversão lógica é a mais pura realidade.

Explica-se: a Olimpíada deste ano será a vitrine para as brasileiras chegarem à WUSA, a liga profissional norte-americana que começa em 2001 e contará com um de seus oito times na cidade-sede dos Jogos de 1996.

Seis jogadoras já foram sondadas (Sissi, Roseli, Kátia, Pretinha, Maycon e Formiga) e contrataram um empresário com credenciais da Fifa para trocar o anonimato no Brasil pela promessa de fama nos EUA.

Mesmo sendo os atuais campeões mundiais e olímpicos, os EUA abriram duas vagas para estrangeiras em cada equipe. As mais cotadas são as brasileiras (pelos dribles e pela habilidade individual) e as chinesas (pelos chutes fortes e pela força física).

O campeonato dá sinais que será um sucesso financeiro. Por um lado, em razão de as franquias dos times terem sido compradas por grupos empresariais fortes como Time Warner (equipes de New York e Orlando), Cox (Atlanta e San Diego) e Comcast (Philadelphia e Washington).

Por outro, devido aos direitos de televisionamento vendidos para os canais TNT e CNN/SI, que foram atraídos pelos picos de audiência da versão feminina (2,9 milhões de lares, por exemplo, viram a partida entre EUA e Brasil no Mundial do ano passado).

Além disso, a perspectiva de público nos estádios é de 20 mil espectadores por jogo, passando para 80 mil nos playoffs. Nos EUA, as jogadoras de futebol têm status de popstar, e o maior exemplo é a atacante Mia Hamm, estrela da seleção, que é garota-propaganda da Nike.

Tudo isso faz com que a migração pareça inevitável, afinal o cenário brasileiro é bem diferente. Não há contrato profissional ou lei do passe. Assim, até as jogadoras de seleção trabalham nos clubes recebendo R$ 300 por partida realizada _uma contusão significa um pesadelo econômico.

O investimento é muito instável. Ultimamente, só São Paulo, Lusa e Vasco mantiveram suas estruturas, tanto que cederam todas as atletas da seleção olímpica. Considerada a segunda melhor jogadora do planeta na atualidade, a meia Sissi trocou o São Paulo pelo Palmeiras por US$ 5.000 _um trocado em relação ao valor de passe de Rivaldo, apontado como o melhor entre os homens.

Contudo as mulheres parecem conscientes do papel de figurante, enquanto os homens são as estrelas. "Temos de batalhar muito para conquistar os privilégios dos homens. Eles dão muito retorno financeiro aos clubes e patrocinadores", diz a goleira Maravilha.

A situação se mantém mesmo com os feitos recentes da seleção nacional, que vem em fase ascendente. Apontado pela Fifa como o time que mais evoluiu nos últimos anos, o Brasil feminino foi 4º lugar em Atlanta-1996, 3º no Mundial de 1999 e 2º na Copa Ouro de 2000. Já superou China e EUA, antes imbatíveis.

Em Sydney-2000, a perspectiva é de medalha, segundo a comissão técnica. "As medalhas de prata e bronze estão dentro de nossos planos. O ouro seria um feito. Enquanto na Olimpíada passada fomos uma surpresa, agora chegamos como bicho-papão", diz Zé Duarte, técnico do selecionado, que tenta evitar comparações com Wanderley Luxemburgo.

"Sou da velha-guarda, não ligo para roupa. Nunca quis parecer técnico europeu", diz o campineiro de boné sempre torto, óculos escuros e barriga proeminente.

Ele também já se acostumou com a prioridade de Luxemburgo na Granja Comary, centro de treinamento da CBF em Teresópolis (RJ). Há um mês, o time feminino foi "despejado" de lá para que entrasse o masculino.

Isso é só um indício do tratamento diferenciado que a CBF concede às duas seleções. Até 1996, as mulheres estavam "terceirizadas", já que a CBF passara o gerenciamento da seleção para a empresa Sportpromotion.

Nessa época, o time fazia "vida de cigano" para se preparar para os torneios. Jogava um dia em Águas de Lindóia (MG). No outro, estava em Indaiatuba (SP), para depois fazer um amistoso em Três Rios (RJ). A maioria dos jogos era realizada em campos esburacados e lamacentos.

Depois de quase subir ao pódio em Atlanta, a CBF adotou as mulheres, mas se esqueceu de avisar seus funcionários. "Quando a seleção chegar, a gente pára de trabalhar para não fazer barulho", diz um dos pedreiros que reforma os vestiários da Granja Comary, ignorando que a equipe feminina sofre com as marteladas.

Além disso, as jogadoras têm de lavar suas roupas íntimas, porque o serviço de lavandeira não faz isso. Resultado: o alojamento de luxo tem suas janelas cheias de varais com calcinhas e sutiãs.

Só mesmo os porteiros dão graças a Deus pela presença da seleção feminina por lá. "Não tem gritaria nem empurra-empurra", diz um deles, acostumado com a confusão formada com a presença da seleção masculina.

Neste ano, as jogadoras estiveram três vezes na Granja Comary, totalizando 65 dias de concentração. Em março, eram 30 atletas para sobrarem só 18 com inscrição em Sydney-2000.

Ao contrário dos homens, não reclamam do tédio na região serrana do Rio. "Nossa rotina é comer, dormir e treinar. Não há tempo para pensar em diversão", diz a volante Formiga, uma das poucas com programa certo para a única folga semanal: passear com o namorado aos domingos.

A maioria acaba ficando no centro de treinamento. Umas correm para o videokê, outras para a Bíblia. As mais vaidosas passam esse tempo no banheiro, pintando a unha ou tratando o cabelo.

Nenhuma tem pretensão de virar uma "musa do futebol", tema que já deu muito problema na seleção. "No nível atual do Brasil, não dá mais para convocar atleta pela boniteza como antes, só para aparecer na foto", diz Formiga.

O técnico Zé Duarte concorda. "Um time de modelo atrai muito fotógrafo, mas não ganha título." De qualquer forma, o corpo das jogadoras ganhou muita massa muscular. "Estamos dando uma carga suplementar de vitaminas e aminoácidos. Já foi o tempo em que as brasileiras perdiam nas bolas divididas", afirma Wilson Riça, auxiliar técnico.

Outro trabalho é o de renovação. O time tem uma maioria de atletas com 20 anos, destoando apenas Sissi, 33, e Roseli, 30. Essa é uma situação bem diferente da do Mundial de 1995, quando a seleção era quase toda balzaquiana.

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