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29/07/2005 - 09h10

Gracindo Jr. critica padrão imposto pela TV e vibra com o teatro

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KARINA KLINGER
da Folha Online

Aos 62 anos e 45 de carreira, Gracindo Júnior não tem do que reclamar profissionalmente. O ator e diretor é um dos poucos brasileiros que conseguem sobreviver fazendo o que realmente gosta: teatro.

Além de atuar na comédia "Três Homens Baixos", ele é responsável pela direção das peças "Liberdade para as Borboletas" e "Anjos de Cara Suja" -- em cartaz no Rio de Janeiro. Além desses, ele já prepara outro espetáculo com Francisco Cuoco e Nívea Maria no elenco.

"A oferta para mim é maior no teatro. Graças a Deus, eu consigo dirigir uma, duas peças por ano, e atuar em mais uma. Até hoje não entendo essa mágica. Não sei como consegui pagar as escolas dos meus cinco filhos, plano de saúde, etc.", diz ele, que seguiu os passos do pai, o também ator Paulo Gracindo (1911-95), e tem dois filhos atores --Gabriel Gracindo e Daniela Duarte.

Divulgação
O ator prepara documentário sobre a vida do pai
Ator faz documentário sobre a vida do pai
Apesar de fazer trabalhos esporádicos na TV, Gracindo não desgosta do meio que faz tanto sucesso no país, mas o vê com olhar crítico.

"O padrão de qualidade imposto pela televisão é que não me agrada. [Comparar] a TV e o teatro é como a competição de indústria chinesa, que joga milhões de calças jeans no mercado, com uma indústria que trabalha artesanalmente. Não há como competir", afirma.

O ator, que começou a trabalhar aos 15 anos na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, sempre foi precoce. Aos 17 anos, ele deixou a casa dos pais para viver com a cantora Carminha Mascarenhas, então com 30 anos.

Em sua carreira constam clássicos na TV e no teatro. Nos palcos, ele fez "Only You" (sob a direção de Bibi Ferreira), "Anônima", "Liberdade para as Borboletas" (nos anos 70, atuou ao lado de Sandra Bréia), "O Altar do Incenso". Na TV, as novelas "Jerônimo, O Herói do Sertão", "Casarão", "Dona Beija" e "Celebridades", entre outras.

Leia abaixo trechos da entrevista com o ator:




Folha Online - O senhor é um dos poucos artistas no Brasil que consegue viver de teatro, qual o segredo para isso, já que o gênero não costuma dar dinheiro por aqui?

Gracindo Júnior - A oferta para mim é maior no teatro. Graças a Deus, eu consigo dirigir uma, duas peças por ano, e atuar em mais uma. Às vezes olho para trás e penso como eu consegui pagar colégio de filho, ter minha casa, pagar plano de saúde. Teatro não dá realmente dinheiro. É uma mágica sobreviver dele. Um dia está bem, no outro, não. Vendo, então, o carro para viver quatro meses. Faço uma novela e entra um dinheiro. Compro o carro à prestação novamente. É assim. Lembro do meu pai, com 84 anos, pensando 'será que a Globo vai renovar comigo'. É o mesmo papo de um ator de 20 anos. Por isso o ator é sempre mais jovem, tem muito para criar, está sempre tendo de recomeçar.

"NÃO É NUM ESTALAR DE DEDOS QUE VOCÊ VIRA ATOR"

Folha - Além da instabilidade, qual é a maior dificuldade que o senhor vê hoje neste meio profissional?

Gracindo - A maior delas é o preparo e essa confusão que se faz entre o que é um ator e o que é ser famoso. São duas coisas completamente diferentes. Uma experiência em determinada área não pode ser confundida com outra. Não dá para ser um pianista sem saber música. Chega uma hora em que você tem de saber o mínimo, tem de ter uma base. É claro que existem pessoas fantásticas que tocam de ouvido, mas são exceções. Eu dou oficina para jovens e, é claro, esta confusão é evidente. As pessoas querem ser profissionais em um ou dois anos, o que é algo inviável. Não é num estalar de dedos que você vira ator.

Folha - Será que há mais gente famosa no ramo da interpretação do que ator de verdade?

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Na pele do vilão Ubaldo de "Celebridades"
Na pele do vilão Ubaldo de "Celebridades" (Globo)
Sim. A TV é um mercado muito maior que o teatro e mais atraente. É uma máquina muito rápida, porque você fica famoso só com uma novela. Se você tem oportunidade de fazer uma novela das oito num primeiro trabalho, você logo fica famoso. Já se você é um ator de teatro, para o mesmo acontecer, demoraria no mínimo 10 anos. Então é uma competição injusta. Normalmente este ator que faz TV, faz algo naturalista, é algo que se joga fora depois. É mais como uma fotografia, apenas duas dimensões. Diferentemente do teatro que tem uma tridimensionalidade. É como se competissem uma indústria chinesa, que joga milhões de calças jeans no mercado, e uma indústria que trabalha artesanalmente. Não há como competir. A calça foi feita por um especialista. Às vezes, porém, você tem de comprar o que é mais barato.

"O QUE NÃO GOSTO É VER A TV SER CONSIDERADA O PADRÃO DE QUALIDADE"

Folha - Esta situação faz com que o senhor abdicasse da TV pelo teatro?

Gracindo - Não. Eu adoro a TV, o que eu não gosto é do enquadramento que o ator de TV é obrigado a seguir. É uma compreensão da carreira que eu não gosto. As pessoas acham que é fácil, é só chegar e fazer. É rápido demais a duração de um ator como esse. Que pena! Se o objetivo do ator é ser famoso, ele acaba durando pouco tempo. O que não gosto é ver a TV ser considerada o padrão de qualidade.

Folha - O senhor costuma fazer TV esporadicamente. É uma maneira de não se sentir saturado?

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Com o teatro, Gracindo garantiu a sobrevivência dos cinco filhos
Teatro garantiu sobrevivência do ator
Gracindo - Não. Isso acontece por causa do mercado mesmo. Eu tenho muito mais convite de teatro do que TV. Eu acho que eu sou um homem de teatro, onde já fiz de tudo, dirijo, produzo, atuo. É algo que eu conheço. E você comanda o seu trabalho no teatro. Já na TV, você faz parte de um mercado e está em oferta, está disponível pelo dinheiro que você quer, pelo tempo que você tem disponível. Mas, claro, preciso fazer TV e faço com maior prazer quando surgem os convites.

Folha - Repetir sempre os mesmos personagens após uma certa idade é comum na TV?

Gracindo - A TV tem esse vício de ter uma mesma receita para determinado horário. Alguns atores já têm até o elenco em sua cabeça. A tendência no final é trabalhar com quem se afina, mas faz com que se repita a receita e o público percebe e começa a achar chato. Já nos seriados isso não acontece. É um produto de maior qualidade, que tem a possibilidade de apresentar atores desconhecidos.

"ACREDITAVA QUE O TEATRO FOSSE UMA FERRAMENTA DE CATEQUESE"

Folha - O senhor fez teatro político, inclusive foi perseguido em 64. Ainda acredita nessa função do teatro?

Gracindo - Tinha comportamento de esquerda, acreditava que o teatro fosse uma ferramenta de catequese. Hoje, porém, vejo de uma forma mais ampla, posso mostrar pontos de vistas de outras facções em um espetáculo. Além do mais, a mídia hoje é tão potente e global que invade sua casa tão rápido.

Não vejo mais no teatro essa força de convencimento. Antes acreditava, tinha 18 anos. Eu tinha esse desejo de realizar o que idealiza para o país. Hoje o meu movimento é mais voltado para o planeta, como a gente vive com o outro, a cura está no homem e a minha tentativa é mais holística do que política, partidária.

Folha - Além do teatro, tem outro projeto profissional engatilhado?
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Gracindo pode assinar com a Record
Gracindo deve assinar com a Record
Gracindo - Estou negociando com a Rede Record para fazer uma novela. Na Bandeirantes devo fazer um especial com uma história de ficção coordenado por Herval Rossano. Outro sonho é um documentário sobre o meu pai. Quero contar vida dele. É uma história que tem de estar muito presente, meu pai conta a história da comunicação do país no século 20, o começo do teatro, do cinema. A política de Getúlio Vargas e a TV começando.

Folha - E o filme do "Bem Amado", projeto que consagrou no passado Paulo Gracindo, o senhor sabe como está a produção?

Gracindo - Vi pelos jornais e pensei em procurar Guel Arraes. É um projeto muito interessante. Gostaria de contribuir com o longa-metragem.

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