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06/04/2006
-
11h12
MARY PERSIA
da Folha Online
Duas décadas se passaram e muita coisa aconteceu. Por isso (e por muito mais), a história que o público verá nos cinemas a partir desta sexta (7) não é exatamente a que Alan Moore escreveu e David Lloyd esquadrinhou em "V de Vingança" ("V for Vendetta"). O essencial, porém, felizmente foi preservado pelos irmãos Wachowski, que assinam o roteiro, e pelo diretor James McTeigue.
Da saga "Matrix" (diretores e assistente de direção, respectivamente), o trio trouxe Hugo Weaving (o agente Smith da trilogia) para encarnar V, o herói que acredita no "terrorismo para o bem". Ele tem o rosto sempre coberto por uma máscara do revolucionário Guy Fawkes (Clive Ashborn), que em 1605 tentou explodir o parlamento britânico para livrar a Inglaterra do totalitarismo. Em meio ao pós-guerra e à depressão, V tenta concluir o que Fawkes não conseguiu realizar.
A adaptação para o cinema da história escrita entre 1981 e 1988 atualiza o "modus operandi" dos governos de inspiração totalitária. Na HQ, a ação começa em 1997, enquanto o longa situa o início da história em 2020. Saem referências a Hitler e Margaret Thatcher, entram George W. Bush e Tony Blair como cabeças de governos em que "os diferentes viram perigosos" ("pretos, veados e comunistas", registra a HQ).
Andy e Larry Wachowski deixam claro, ao reescrever um roteiro que já haviam feito e engavetado anos antes, sua opção por criticar, com um terrorista, aquele que se considera o maior crítico do terrorismo. Deixaram de lado argumentos originais como a pureza da "raça nórdica" para focar no bioterrorismo e outras ferramentas utilizadas não apenas pelo terrorista como pelo próprio governo para criar o caos e oferecer a salvação --na visão dos Wachowski, o Estado é culpado desde o início.
Os irmãos ressaltam o cerceamento das liberdades individuais em prol da ordem, em referências que vão do "1984" de George Orwell ao controle exercido pelo governo norte-americano --basta trocar os funcionários de Bush (que chegou a escalar carteiros e entregadores de pizza para vigiar a população) pelos homens-dedo, agentes que não apenas fiscalizam o povo, como definem de imediato a pena do condenado.
Pasteurização
Alterações significativas marcam a migração dos personagens para as telas. O próprio V tornou-se menos prolixo, teve sua fala hermética substituída por outra mais compreensível e de cadência mais atraente. Tornou-se mais sedutor. Mas manteve o gosto pela arte, banida da Inglaterra por seu caráter revolucionário.
V deixou de lamentar a morte de Billie Hollyday, mas sua presença está impregnada no mundo subterrâneo em que o herói construiu seu lar. Uma das trilhas de suas ações terroristas no filme, Tchaikovski torna-se proibido pelo governo, e sua paixão pelo clássico "O Conde de Monte Cristo" é explorada mais de uma vez.
Já Evey Hammond (Natalie Portman), que se torna fiel escudeira de V, ficou mais velha e ganhou contornos mais palatáveis. A prostituição fica tão nas entrelinhas que mal se pode enxergá-la, o passado e a família não são os mesmos --aqui, ela ganha um irmão mais novo. Originalmente uma garota de orfanato, pelas mãos dos Wachowski ela se tornou uma funcionária de uma emissora de TV.
Naturalmente, muita coisa ficou de fora, como a vida pessoal dos agentes do governo, a morte de autoridades no metrô e --infelizmente-- a troca de máscara de V, que nas mãos de Moore e Lloyd chegou a usar uma versão mais caricata da face de Fawkes.
No fim das contas, o criador do personagem saiu atirando no longa. Moore classificou o roteiro como "lixo" e disse que suas idéias anarquistas se perderam nas mãos de McTeigue e dos Wachowski. Como se fosse preciso mais polêmica a respeito de um filme cuja estréia foi adiada na Inglaterra por conta dos atentados de julho de 2005 em Londres --terroristas, a bomba e no metrô, assim como no longa.
Ao falar de um herói que trocou a Justiça, a quem julgou infiel, pela anarquia, "V de Vingança" tem, de fato, os traços de Hollywood. Marcas que, se nem sempre são bem-vindas e às vezes soam desnecessárias --e a criação de Moore é forte o suficiente para resistir a elas--, também cumprem sua missão de mitificar o herói que acredita na salvação do mundo pela destruição.
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Na tela, "V de Vingança" atualiza governos totalitários
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da Folha Online
Duas décadas se passaram e muita coisa aconteceu. Por isso (e por muito mais), a história que o público verá nos cinemas a partir desta sexta (7) não é exatamente a que Alan Moore escreveu e David Lloyd esquadrinhou em "V de Vingança" ("V for Vendetta"). O essencial, porém, felizmente foi preservado pelos irmãos Wachowski, que assinam o roteiro, e pelo diretor James McTeigue.
Divulgação |
Herói mascarado é terrorista; veja galeria de fotos do filme |
A adaptação para o cinema da história escrita entre 1981 e 1988 atualiza o "modus operandi" dos governos de inspiração totalitária. Na HQ, a ação começa em 1997, enquanto o longa situa o início da história em 2020. Saem referências a Hitler e Margaret Thatcher, entram George W. Bush e Tony Blair como cabeças de governos em que "os diferentes viram perigosos" ("pretos, veados e comunistas", registra a HQ).
Reprodução |
HQ foi escrita de 1981 a 1988 |
Os irmãos ressaltam o cerceamento das liberdades individuais em prol da ordem, em referências que vão do "1984" de George Orwell ao controle exercido pelo governo norte-americano --basta trocar os funcionários de Bush (que chegou a escalar carteiros e entregadores de pizza para vigiar a população) pelos homens-dedo, agentes que não apenas fiscalizam o povo, como definem de imediato a pena do condenado.
Pasteurização
Alterações significativas marcam a migração dos personagens para as telas. O próprio V tornou-se menos prolixo, teve sua fala hermética substituída por outra mais compreensível e de cadência mais atraente. Tornou-se mais sedutor. Mas manteve o gosto pela arte, banida da Inglaterra por seu caráter revolucionário.
V deixou de lamentar a morte de Billie Hollyday, mas sua presença está impregnada no mundo subterrâneo em que o herói construiu seu lar. Uma das trilhas de suas ações terroristas no filme, Tchaikovski torna-se proibido pelo governo, e sua paixão pelo clássico "O Conde de Monte Cristo" é explorada mais de uma vez.
Reprodução |
Moore e Lloyd são autores da HQ |
Naturalmente, muita coisa ficou de fora, como a vida pessoal dos agentes do governo, a morte de autoridades no metrô e --infelizmente-- a troca de máscara de V, que nas mãos de Moore e Lloyd chegou a usar uma versão mais caricata da face de Fawkes.
No fim das contas, o criador do personagem saiu atirando no longa. Moore classificou o roteiro como "lixo" e disse que suas idéias anarquistas se perderam nas mãos de McTeigue e dos Wachowski. Como se fosse preciso mais polêmica a respeito de um filme cuja estréia foi adiada na Inglaterra por conta dos atentados de julho de 2005 em Londres --terroristas, a bomba e no metrô, assim como no longa.
Ao falar de um herói que trocou a Justiça, a quem julgou infiel, pela anarquia, "V de Vingança" tem, de fato, os traços de Hollywood. Marcas que, se nem sempre são bem-vindas e às vezes soam desnecessárias --e a criação de Moore é forte o suficiente para resistir a elas--, também cumprem sua missão de mitificar o herói que acredita na salvação do mundo pela destruição.
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