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Maurício Puls

A cor do voto

Sistema eleitoral apaga as nuances entre os políticos, mas ajuda o eleitor a escolher seu candidato

A cada eleição, boa parte da população é assaltada pelo desalento: 39 milhões de eleitores não votaram para presidente no domingo. Decerto há outras razões para que tantos tenham se ausentado ou anulado o voto, mas muitos o fizeram porque não se sentiam representados por nenhum candidato. Por que existiam tão poucas opções?

Talvez um exemplo corriqueiro ajude a entender a questão. Quem observa as ruas de uma cidade percebe facilmente que a grande maioria dos automóveis obedece a uma gama cromática restrita --preto, cinza, prata, branco. Contudo, se os donos desses veículos fossem questionados sobre suas cores preferidas, provavelmente citariam azul, vermelho, verde, amarelo. Por que então compram carros cinzentos?

Porque os motoristas precisam amoldar suas escolhas às preferências dos outros compradores. Se optassem por cores vivas, mas menos usuais, teriam dificuldades para revender o carro. Por isso são obrigados a traduzir seus desejos nas tonalidades esmaecidas que todos aceitam. O mercado automotivo induz as pessoas a "votar" em cores que, a princípio, nunca escolheriam.

O mesmo ocorre no mercado político: o eleitor que não ajusta suas convicções às correntes da opinião pública provavelmente não elegerá ninguém. Sustentar uma posição radical em conjunturas adversas em geral só traz resultados a longo prazo. Em 1850, abolicionistas criaram uma "Sociedade contra o Tráfico de Africanos", mas a Abolição só veio em 1888. Em 1930, a esquerda lançou um operário à Presidência. Foi preciso aguardar 72 anos para que um metalúrgico vencesse a eleição.

O problema é que a maioria não quer esperar tanto. Para não "desperdiçar" o voto, o cidadão exclui de seu horizonte os presidenciáveis com menos chances, o que reduz o número de candidaturas efetivas a alguns nomes. A partir daí, seleciona o mais afinado com sua posição.

O cálculo do eleitor restringe a demanda por candidatos. Diante disso, os próprios partidos tratam de reduzir a oferta. Das 32 legendas existentes, 21 não lançaram um presidenciável em 2014. Agiram assim porque tinham poucas chances de vencer e muitas vantagens a perder.

Lançar um candidato próprio tem custos elevados: para obter o apoio de outras siglas é preciso fazer várias concessões aos aliados nos Estados. A maioria dos grandes partidos acaba desistindo da Presidência: o atual DEM tentou pela última vez em 1989; PMDB e PP, em 1994.

As estratégias dos eleitores e dos partidos simplificam a escolha, mas deixam muitos insatisfeitos. Não seria mais legítimo oferecer muitos candidatos? Na eleição à Câmara, o eleitor tem centenas a seu dispor. Mas as informações que recebe pelo horário eleitoral são insuficientes --reduzem-se a uma imagem e um slogan. Exatamente por isso escolher um deputado requer tanto trabalho. Resultado: a taxa de votos brancos e nulos é ainda maior.

A eleição presidencial é mais clara. Não resta dúvida de que ela filtra tudo o que é diverso: reduz as cores do espectro solar a uma gradação de cinzas. Talvez não seja o melhor sistema. Mas ajuda o eleitor a distinguir o preto do branco.


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