São Paulo, sábado, 18 de setembro de 1999


 


PERSONAGENS

Instituições sem fins lucrativos adotam visão empresarial: passam a procurar funcionários da iniciativa privada com alta capacidade técnica para tornar sua administração mais eficiente e voluntários especializados para doar trabalho com hora marcada

Entidades beneficentes
buscam profissionalização


ALENCAR IZIDORO
da Equipe de Trainees

Em vez de depender apenas de pessoas que trabalhem de graça, organizações sem fins lucrativos estão contratando profissionais qualificados da iniciativa privada.
Doze pesquisadores e profissionais da área ouvidos pela Folha apontam essa tendência, dizendo que, além de boa vontade, é preciso capacidade técnica para ocupar as vagas que surgem em fundações, institutos e ONGs.

Empregos e salários


Há quem conteste a existência dessa migração de funcionários, com o argumento de que a maioria das instituições ainda é de pequeno porte, e os salários, baixos (leia texto na pág. 3).
Mas, das dez entidades beneficentes mais atuantes do Estado de São Paulo, oito mantêm em cargos de direção ou administração funcionários pagos que vieram do setor privado.
“Existem vários administradores que largaram bons empregos em empresas de primeira linha e foram para essas instituições. Ganha-se um pouco menos. Mas isso é compensado pela sensação de estar fazendo uma melhoria social”, afirma o coordenador do curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas, Antonio Mendes de Almeida Júnior.
A chegada de profissionais a esse segmento da economia (o chamado terceiro setor) é um dos sinais de adesão dessas instituições às estratégias de mercado.
Assim como uma empresa, essas organizações necessitam de especialistas para controlar finanças, recrutar profissionais (em instituições, também recrutar voluntários) e gerenciar projetos.
“As entidades precisam de trabalho técnico de boa qualidade para ter credibilidade junto aos patrocinadores. Não basta mostrar que é idealista. Precisa mostrar resultado para a sociedade”, diz Rosa Maria Fisher, diretora do Ceats (Centro de Estudos em Administração do Terceiro Setor) da Universidade de São Paulo.
Almeida Júnior exemplifica: “Uma maneira de essas organizações sobreviverem é a captação de recursos. Uma pessoa que já tem experiência em empresas pode valer muito, pois tem os contatos para fazer parcerias”.
De acordo com Mário Aquino Alves, pesquisador do Cets (Centro de Estudos do Terceiro Setor) da FGV, a migração desses profissionais está ligada às possibilidades de gerar e manter empregos.
“No terceiro setor, a introdução de novas tecnologias não destrói postos de trabalho. O contato humano é indispensável.”
Isso não quer dizer que esses funcionários não sofram perdas ao trabalhar em uma organização beneficente. Os salários, por exemplo, costumam ser menores que os de empresas.
Estudo de David Alberto Beker Jordan, aluno de administração de empresas da FGV, mostra que os salários de executivos do terceiro setor no mundo tendem a subir, mas ainda são cerca de 15% a 25% mais baixos que os da iniciativa privada. No Brasil, ainda não existem dados consolidados.
Segundo Rebeca Raposo, diretora do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas), a remuneração varia muito. “É certo apenas que fundações e institutos, principalmente os ligados a empresas, pagam mais que ONGs.”
Ela ressalta ainda que a chegada desses profissionais ao terceiro setor não significa que as instituições estejam se tornando um refúgio de desempregados. “É um mercado difícil de entrar, principalmente em cargos mais altos.”
Mesmo assim, há oportunidades em categorias que vão de administradores a faxineiros, de advogados a atendentes.
A diretora do Gife cita como requisito para trabalhar na área o senso de cidadania. “Um profissional do terceiro setor deve possuir, além da preocupação econômica, uma preocupação social.”
Raposo diz que “a porta de entrada na área é a prestação do serviço voluntário, que mostra o envolvimento com a causa e é como as pessoas criam contatos”.

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