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Babel da azaração

Arena de paquera, sexo e drogas ao ar livre, Vila Madalena bombou na Copa, mas furto, lixo e barulho deixaram vizinhos de cabelo em pé

ROBERTO DE OLIVEIRA DE SÃO PAULO

Dos "trotamundos" com seus inseparáveis "Lonely Planet", a "bíblia" sagrada dos viajantes, a europeus, americanos e tantos outros "hermanos", duas palavras nunca reuniram tantos idiomas na história recente de São Paulo: Vila Madalena.

Desde a abertura da Copa, a Vila esteve onipresente no roteiro de jovens estrangeiros que passaram pela cidade e ainda fez a cabeça de brasileiros e paulistanos que nunca haviam passado por lá.

Na melhor arena para curtir o Mundial na capital, na avaliação dos estrangeiros, o idioma não se revelou um obstáculo intransponível.

A "body language" pautou a aproximação, o abraço, a confraternização e o compartilhamento de bebidas, cigarros "y otras cositas más" pelas ruas do bairro. A linguagem corporal também foi indispensável em um exercício que rivalizou com o levantamento de copos durante os jogos na Vila: a azaração.

"Lugar incrível, muita gente bonita. Amei a Vila", disse a argentina Carolina Rocha, 18. "Não gostei dos homens. Eles puxam a gente pelos cabelos. Levei até mordida."

Pele, cabelos e olhos claros entregavam a identidade de Monique de Lepper, 22: europeia de Haia. A holandesa definiu a Vila como a confraternização mais democrática desta Copa. "Aqui tem Brasil, mas também tem mundo."

Para o engenheiro moçambicano Roque Sebastião, 47, as pessoas da Vila, independentemente dos jogos, eram felizes. "Estava no shopping Vila Olímpia, e as vendedoras me disseram, vá para a Vila que lá tem festa. E cá estou."

Mesmo com a multidão, o comércio local teve prejuízo de 40% no faturamento, segundo a Savima (Sociedade Amigos da Vila Madalena). Isso porque a maioria dos torcedores não comprava nada no bairro e muitas lojas fecharam em dias de jogos.

SEXO, DROGAS E LIXO

Se, à noite, todos os gatos são pardos, como reza o ditado popular, qualquer canto era válido quando se procurava um esconderijo para fazer sexo nas micaretas. Com suas ruelas estreitas, becos, casinhas de portão baixo, a Vila tornou-se um "motel a céu aberto".

A "pegação" acontecia até no meio da multidão, em plena rua Aspicuelta, espécie de veia nervosa das baladas. Muitas garotas escancaravam que estavam ali à procura de gringos. Nas esquinas da rua Wisard com a Fradique Coutinho, um posto de gasolina oferecia abrigo aos enamorados de uma noite apenas.

Nas madrugadas, era comum ver casais (héteros e gays) transando por lá. Até os fundos de um trailer estacionado no número 1.139 da Fradique Coutinho virava motel.

Camisinhas, distribuídas gratuitamente em postos de saúde, eram vendidas por ambulantes a R$ 5 cada uma (ou três por R$ 10) em meio a cigarros, balas e chicletes.

ADOÇANTE

O mercado clandestino, contudo, superava esse cardápio, digamos, trivial. Vendedores anunciavam drogas: "Pó, bala, mato, loló" (cocaína, ecstasy, maconha e lança-perfume). O preço ia de R$ 30 a R$ 50. A esguichada de lança saía de embalagens do adoçante por R$ 10 (20 ml) --mulheres ganhavam dose dupla.

O tráfico escancarado de drogas pareceu "normal" a um inglês, identificado como John, 23. "A América do Sul produz muita droga. Vocês abastecem a Europa", disse ele, baseado aceso nas mãos.

Em dias de festa, o cheiro de "cannabis" só não era mais forte do que o de urina. "O fedor dá ânsia de vômito", disse a professora Elisangela de Mello, 41. "Ninguém se intimida em fazer as coisas na rua. Sem falar nos furtos!"

Os de celulares lideraram as queixas, segundo o major da PM Mário Alves, 47, envolvendo até gangues de mulheres. Números deverão ser divulgados nesta semana.

Muita festa com pouco planejamento resultou quase numa goleada contra. Os moradores reclamaram do caos: barulho até de madrugada, trânsito caótico, xixi, cocô, sexo, drogas e toneladas de lixo.

"O poder público demorou a reagir", disse Cassio Calazans de Freitas, 57, presidente da Savima. Após ser pressionado por moradores e comerciantes, uma força-tarefa foi montada a partir da madrugada de quarta (2), quando a PM chegou a disparar uma bomba de efeito moral para dispersar brasileiros e estrangeiros e abrir caminho para um batalhão de 170 garis limpar as ruas da Vila, que chegou a produzir 50 toneladas de entulho numa noite.

Nesta semana, representantes de moradores, comerciantes, subprefeituras e polícias vão se reunir para discutir o futuro do bairro.

Resta saber agora qual o legado que essa internacionalização deixará para a Vila.


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