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Teatro
Tennessee Williams cala gritinhos nos EUA
Remontada com ator do novo 'Star Trek' na Broadway, peça 'The Glass Menagerie' atrai plateia jovem e incauta
Zachary Quinto, o Dr. Spock, interpreta papel principal em texto autobiográfico do dramaturgo americano
Até gritinhos do público saúdam a entrada no palco do ator Zachary Quinto, o Dr. Spock dos mais recentes filmes da série "Star Trek", em sua estreia na Broadway.
A fama de Quinto tem atraído plateias bem jovens para uma das peças mais densas e tristes de Tennessee Williams (1911-1983) e os gritinhos dão lugar a silêncio e lágrimas. Sorte dos jovens incautos.
Segundo o New York Times, a nova versão de "The Glass Menagerie" é "a melhor remontagem de um clássico em muitos anos" --e fica em cartaz até janeiro.
Escrita em 1944 (e montada no Brasil com nomes pouco inspirados como "Algemas de Cristal" e "À Margem da Vida"), o primeiro sucesso do autor de "Gata em Teto de Zinco Quente" e "Um Bonde Chamado Desejo" é a sua obra mais autobiográfica.
O protagonista, o aspirante a escritor Tom (Quinto) relembra sua vida quando trabalhava em um armazém durante a Grande Depressão dos anos 1930 na sulista Saint Louis, no Missouri.
Ele vive com a mãe, Amanda Wingfield, ex-beldade que foi abandonada pelo marido alcoólatra, e com a irmã, a tímida Laura, envergonhada por uma deficiência na perna e que passa o tempo cuidando de sua coleção de animais de brinquedo, o "zoológico de vidro" que dá nome à peça em inglês.
"Laura é como uma das peças de sua coleção, muito frágil para ser retirada da estante", escreveu Williams quando o texto foi lançado.
"The Glass Menagerie" é dominada por essa mãe, que discrimina e sufoca os filhos, enquanto coloca todas suas expectativas em ambos: um casamento perfeito para a filha e que o filho traga a estabilidade econômica que falta à família.
Controladora e insegura, histriônica e vaidosa, Amanda virou personagem disputado por atrizes veteranas (já foi vivida no palco e nas telas por Katherine Hepburn, Jessica Lange, Jessica Tandy e Sally Field).
Na nova montagem, a mãe é a grande Cherry Jones, atriz que já ganhou dois Tonys, o Oscar da Broadway, por "A Herdeira" e "Dúvida", e um Emmy pela sua participação na série "24 Horas", como a presidente dos EUA.
Ela consegue nos recordar das limitações para uma mulher forte e sonhadora nos anos 30.
A homossexualidade de Tom é abordada como se esperaria em uma peça escrita em 1944. O jovem retorna todos os dias de madrugada para casa, alcoolizado, dizendo que "está voltando do cinema", e sua vida pessoal é um segredo para mãe e para a irmã. Ele não esconde que só quer fugir dali.
O cenário está à altura do texto e do elenco. Um turvo espelho d'água transforma os cômodos da austera casa da família em ilhas, e uma escada de incêndio, que domina o palco, parece não ter fim. Não é fácil fugir da memória.