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Crítica drama
Protagonista de 'Ninfomaníaca' vive como um animal preso em uma jaula
LUIZ FELIPE PONDÉ COLUNISTA DA FOLHAAristóteles dizia que a tragédia devia despertar piedade e terror. Lars von Trier, portanto, não faz tragédia, posto que inspira antes de tudo terror e quase nenhuma piedade em sua filmografia, principalmente em seus três últimos filmes, "Anticristo", "Melancolia", e agora, em seu mais recente, "Ninfomaníaca - Volume 1".
Mas, nem por isso, ele deixa de carregar uma ancestralidade trágica. Sua pergunta incessante é: há sentido na vida, no universo, no corpo, no desejo? Suas protagonistas sofrem na carne a resposta aparentemente negativa a esta agonia.
Sua arte se move em dois níveis: o radicalmente contemporâneo e o absolutamente eterno. Toda grande arte deve ser assim: encarnada na vida cotidiana e aberta ao espírito do infinito. Por isso, a espiritualidade negativa exposta no "Anticristo" e em "Melancolia" assume em "Ninfomaníaca - Volume 1", a forma da carne feminina que pinga de desejo.
A protagonista Joe (interpretada por Charlotte Gainsbourg e Stacy Martin) narra a história de seu desejo, um desejo que só encontra o vazio em seu movimento. Sua cosmologia é a do terror, sua ética é a do niilismo, sua política é a do deboche. Lars von Trier exala o odor de Sade.
A cosmologia de Von Trier carrega o tom cruel de uma percepção de mundo que desde a antiguidade (Pérsia, cristianismo antigo gnóstico e maniqueu, bogomilos e cátaros na Idade Média, Marquês de Sade no século 18) atormenta o imaginário espiritual ocidental: Deus é mau? A natureza é perversa? Somos um animal numa jaula?
LUXÚRIA
"Ninfomaníaca - Volume 1" é uma polifonia a serviço da negação do sentido. Em meio à polifonia, a voz que faz o solo é a do pecado da luxúria (único resto que a irreligiosa Joe retém da religião) devastando a vida de gente como a esposa de um de seus inúmeros amantes (vivida por Uma Thurman) e sua "rede de sentimentos construídos ao longo de 20 anos".
Entre a idiota crença contemporânea na revolução sexual e a agonia da luxúria como marca do sexo livre, Von Trier opta pela segunda.
Joe, a mulher "dona de seu corpo", se vê como um animal numa jaula, andando de um lado para o outro, indo pra lugar nenhum.