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Análise

Artista foi para o flamenco o que Piazzolla foi para o tango

SIDNEY MOLINA CRÍTICO DA FOLHA

A morte de Paco de Lucía surpreendeu o mundo musical. Em forma e em plena maturidade, ele havia tocado em São Paulo --depois de uma ausência de 16 anos-- no dia 11 de novembro passado.

Foi um belo show, mas ainda mais especial foi vê-lo de perto um mês antes em Havana (Cuba), onde decidiu estrear a turnê atendendo ao pedido do compositor contemporâneo Leo Brouwer.

Quando os dois se abraçaram após uma performance que deixou o público em estado de graça, o compositor de vanguarda repetia a palavra chave para entender Paco: "harmonia!".

Paco está para o flamenco como Astor Piazzolla (1921-1992) para o tango. Como o argentino, não é um purista: sua música coloca a tradição em perspectiva, ele invariavelmente arrisca perder aquilo que não pode ser perdido.

As estruturas de sua música saem dos dedos do improvisador, da escuta de padrões rítmicos, e do diálogo com músicos --como no antológico trio com Al Di Meola e John McLaughlin nos anos 1980.

Suas escalas rapidíssimas, densas e claras internacionalizaram o flamenco e passaram a ser imitadas por estudantes de violão ao redor do mundo. Mas nunca eram efeitos: uma escuta microscópica revela o comando de sutilezas fraseológicas em cada gesto.

Ao cumprimentá-lo em Havana após o show, notei que estava praticamente sem unhas na mão direita, o que torna difícil explicar a qualidade sonora. Pareceu uma pessoa simples, com jeito interiorano e olhar triste.

Mas no palco estava em casa. Furava os estilos sem raiva, com elegância. Dava espaço à individualidade de todos os músicos, mas em nenhum momento a música perdia o fio.

Sua concepção rigorosa saía do violão, da dança vertical e horizontal dos dedos a espalhar ao redor as dores da vida.


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