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Livro narra tragédias e rebeliões de Marx

Obra do historiador americano Jonathan Sperber lançada agora no Brasil examina formação do autor de 'O Capital'

Pesquisador se baseou em projeto, iniciado nos anos 1920, que reúne toda a produção do revolucionário alemão

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

As dores no estômago e a febre duraram um mês. Aos oito anos, o vivaz Edgar morreu nos braços do pai no início da manhã de 6 de abril de 1855. Dois outros pequenos já haviam perdido a vida, por doenças, na miserável casa na Dean Street, no bairro pobre do Soho, em Londres.

Abalado, o pai, Karl Marx (1818-1883), desabafou: "Já enfrentei toda a sorte de infortúnio, mas agora conheço, pela primeira vez, a face do verdadeiro sofrimento. Sinto-me alquebrado. Afortunadamente, desde o dia do funeral tenho sido acometido por uma dor de cabeça tão intensa que me impede de pensar, ouvir ou enxergar".

"A morte do filho foi a maior tragédia na vida de Marx", diz Jonathan Sperber, autor de "Karl Marx - Uma Vida do Século 19", livro finalista do prêmio Pulitzer neste ano e lançado agora no Brasil. Numa obra densa, ele costura a vida privada do revolucionário com suas lutas políticas e sua produção intelectual como escritor e jornalista, dentro do contexto da época.

"Minha tentativa foi colocar Marx no seu tempo. Se tive sucesso ou não, não sei", diz Sperber à Folha, por telefone, desde a Universidade do Missouri (EUA), onde leciona história. Conta que trabalhou sozinho durante seis anos para escrever o livro, já traduzido para nove línguas.

Revela que sua principal dificuldade foi ler tudo o que Marx escreveu, já que o rebelde produziu muito. Há também centenas de biografias, ensaios e artigos escritos sobre sua trajetória. Lacunas existem: cartas foram queimadas por suas filhas e deixam em aberto questões sobre família e política.

Sperber baseou sua pesquisa no projeto, iniciado nos anos 1920, que reúne toda a produção do revolucionário --até anotações rabiscadas nas costas de envelopes.

No livro, ele percorre temas como a luta de classes, a teoria do valor, a revolução comunista, a influência de Hegel e dos positivistas na obra de Marx.

Mesmo apontando críticas, contradições e ambiguidades na trajetória do teórico e ativista, Sperber afirma que escrever a biografia o levou a ter "um forte apreço pelo profundo e poderoso compromisso de Marx com os seus ideais, apesar dos muitos sacrifícios pessoais que teve que fazer".

"Esta intransigência de Marx foi um ponto forte de sua vida, mas também, em muitos aspectos, uma fraqueza, uma vez que o fez intolerante com outras pessoas com quem ele teria de trabalhar para implementar seus ideais", opina o historiador.

O livro narra as crônicas dificuldades financeiras da família, que lutava para pagar as contas cotidianas do aluguel, da quitanda, do açougue. O socorro do amigo e parceiro Friedrich Engels (1820-1895) foi fundamental em muitas ocasiões.

O autor parte do histórico familiar de Marx (1818-1883) e mostra a importância que os livros clássicos (lidos diretamente do latim e do grego) tiveram na sua formação.

Depois, passou a admirar Balzac, Dante, Cervantes, Goethe, Púchkin. Nas palavras da filha Eleanor, Shakespeare era a "bíblia" na casa dos Marx, conta o historiador.

BASTIDORES

O casamento de Marx com Jenny, quatro anos mais velha, foi "sua primeira rebelião contra a sociedade burguesa do século 19", aponta Sperber. Sem concentrar sua obra na vida privada, ele trata dos contextos e bastidores da elaboração dos principais textos do filósofo, relatando debates com militantes.

Disseca as participações de Marx em eventos marcantes, como na criação da Primeira Internacional e nas rebeliões europeias de 1848 --quando elaborou o "Manifesto Comunista", "verdadeira obra-prima da literatura: a uma só vez conciso, expressivo, elegante, marcante e sarcasticamente divertido", define Sperber.

No texto, Marx dispara: "Tudo o que é sólido derrete no ar, tudo o que é sagrado é profanado e o homem é finalmente obrigado a encarar, com sóbrio bom senso, sua verdadeira condição de vida e suas relações com os semelhantes".

Na visão do historiador, foi na obra "O 18 Brumário de Luís Bonaparte" que a escrita de Marx atingiu o auge: ele "partiu da derrota da causa revolucionária e a transformou em uma obra de arte da literatura", diz Sperber.

Para o pesquisador, o vocabulário de Marx revela um "eco do regime jacobino de 1793". E considera que as observações descritas em "O Capital" sobre economia "foram perspicazes e peremptórias, mas não totalmente proféticas". Lembra que o livro passou quase despercebido nos jornais da época.

Sperber, 61, dedica o livro à memória de seu pai, Louis, que foi membro do Partido Comunista dos EUA. O próprio historiador chegou a militar em grupos marxistas na juventude, mas hoje se classifica como um "liberal ou social-democrata". "Conforme fui envelhecendo, minhas visões políticas se tornaram mais moderadas."


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