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Vítima narra como sobreviveu aos 11 anos de cativeiro

Em 'Libertada", a americana Michelle Knight conta horrores do cativeiro, onde era estuprada todos os dias

Livro foi produzido em parceria com escritora especializada em celebridades e mescla relato com autoajuda

ELEONORA DE LUCENA DE SÃO PAULO

Michelle Knight estava perdida. Desorientada, buscava o endereço em Cleveland (Ohio, EUA) onde iria encontrar seu filho de dois anos e meio. Ariel Castro, pai de uma amiga, lhe ofereceu uma carona. No caminho, anunciou uma parada. Disse que tinha cachorrinhos em sua casa. Ofereceu um filhote para presentear seu menino.

Era a tarde de 23 de agosto de 2002. Numa picape suja, chegou a um sobrado branco na Seymour Avenue, a poucos quarteirões da casa dela. Ali viveria um inferno durante os próximos 11 anos.

Foi cotidianamente torturada e estuprada. Espancada e desnutrida, sofreu sucessivos abortos. Dividiu o cativeiro imundo com duas garotas e uma criança nascida na casa. Em 6 de maio de 2013, conseguiram escapar. Cheia de doenças e sequelas, Knight pesava 38 quilos --estava com 59 quando raptada, aos 21.

Fragmentos dessa saga de horror absurdo são relatados por ela em "Libertada - Uma Década de Escuridão, uma Vida Recuperada", lançado agora no Brasil.

O livro ("Finding Me", no original) foi feito em parceira com a escritora Michelle Burford, especializada em histórias de celebridades. O relato dantesco é mesclado com pensamentos de autoajuda e de fé religiosa.

"Tudo o que eu passei não define quem eu sou. Eu sou definida pelas ações que faço, e eu estou fazendo bonito", diz Knignt à Folha.

Refazendo sua vida, ela conta que está estudando para ser chef de cozinha. Seu plano é abrir um restaurante. Afirma que resolveu fazer o livro "para ajudar as pessoas a ter coragem e força".

"Escrever foi uma montanha-russa de emoções, voltar a viver cada momento doloroso", declara. Não é leitura leve. Sua família era muito pobre e desestruturada. Perambulava morando em carros ou lugares degradados.

Na escola, era hostilizada: cheirava mal, vivia maltrapilha e não conseguia ter bom desempenho. Muito jovem passou a ser abusada por um familiar. Fugiu de casa, morou embaixo de ponte, se envolveu com tráfico de drogas. Teve um filho, Joey, mas perdeu sua guarda.

Era o que ela tentava recuperar quando foi sequestrada. "Meu passado doloroso me ajudou a superar os obstáculos que surgiram no meu caminho", diz, sobre os dramas antes do rapto.

Atualmente, está distante de sua família: "Não quero ser machucada novamente por eles", confessa. Joey, hoje adolescente, foi adotado e aparentemente desconhece sua mãe biológica. Knight escreve que a lembrança do menino foi essencial para que ela resistisse às atrocidades.

"Vivi 11 anos de inferno, sem ser capaz de ser livre, e tudo o que amava na vida, especialmente meu filho, foi tirado de mim", desabafa. Knight sonha em formar sua própria família, adotando uma criança --ela não pode mais ter filhos devido a sequelas da violência no cativeiro.

"Quero dar todo o amor e o cuidado que eu não tive na minha infância", afirma.

Ariel Castro, seu carrasco, foi condenado e cometeu suicídio na prisão no ano passado. Nascido em Porto Rico em 1960, ele era motorista de ônibus escolar. Knight conta que, quando soube da morte, ficou triste pela família dele: "Eles não mereciam o que foram forçados a vivenciar".

Na entrevista, por e-mail, Knight não arriscou fazer nenhuma análise sobre a violência. Tampouco quis tratar de explicações para esses casos escabrosos que explodem volta e meia e ganham audiência entre as aberrações exibidas nas tardes de TV.

Diz que se sente segura agora em Cleveland, onde quer continuar a morar. Sobre sua vida atual, responde: "Minha rotina é acordar para ver o céu bonito, fazer uma xícara de café e conhecer alguns amigos. Perdi todas as coisas que são consideradas garantidas. Aprendi a apreciar as pequenas coisas."

Lançando livro e dando entrevistas, ela se sente uma celebridade? "Não, me considero uma vitoriosa. Superei algo que muita gente não conseguiria."


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