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Crítica - Contos

Fábulas cômicas de Augusto Monterroso espalham sabedoria

Livro do escritor hondurenho tem tradução de Millôr Fernandes, também chegado à brevidade e ao humor

COMO NAS FÁBULAS TRADICIONAIS, OS BICHOS SOMOS NÓS. PORTANTO, AO LÊ-LAS, ESTAMOS RINDO DE NÓS MESMOS, DE NOSSA INFINITA CAPACIDADE PARA ABRAÇAR O RIDÍCULO

CADÃO VOLPATO ESPECIAL PARA A FOLHA

Em matéria de brevidade, Augusto Monterroso (1921-2003) foi imbatível.

Nascido em Honduras, mas criado na Guatemala antes de se mudar definitivamente para o México, o escritor cravou aquele que, se não é o menor, é o mais perfeito exemplar compacto de conto já escrito: "Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá".

Este "Dinossauro" está no primeiro livro do autor, "Obra Completa e Outros Contos" (1959), cujo título, para começar, já entrega a sua capacidade inventiva.

Dez anos depois apareceu "A Ovelha Negra e Outras Fábulas", um conjunto de contos não muito maiores do que o "Dinossauro", mas quase tão perfeitos quanto.

Elas parecem ter encontrado o tradutor ideal em Millôr Fernandes (1923-2012), autor também chegado à brevidade e ao humor desregrado.

As fábulas de Monterroso são engraçadíssimas, mas também fazem pensar (nem sempre essa combinação é praticada nessa área).

Como na poesia, em que o pensamento comprimido parece esticar os significados, as mini-histórias de Monterroso dizem muito mais coisas do que as palavras ali escritas.

E como nas fábulas tradicionais, os bichos somos nós. Portanto, ao lê-las, estamos rindo de nós mesmos, de nossa infinita capacidade para abraçar o ridículo.

As forças da natureza também dão seus escorregões no livro. "Houve uma vez um Raio que caiu duas vezes no mesmo lugar; porém achou que na primeira tinha feito estrago suficiente, que já não era necessário, e ficou muito deprimido", diz uma das fábulas.

A literatura aparece na história de uma barata chamada Gregor Samsa que sonhava ser uma barata chamada Franz Kafka "que sonhava que era um escritor que escrevia sobre um empregado chamado Gregor Samsa que sonhava que era uma barata".

Mesmo não sendo exatamente uma barata o inseto que aparece em "Metamorfose", de Kafka, a fábula de Monterroso evoca o coração da fantasia com uma força de que só a brevidade extrema é capaz.

No livro de Monterroso, surgem também espelhos neuróticos, fabulistas às voltas com seus críticos, sereias inconformadas com o próprio canto, apóstatas e filósofos.

Tudo acaba soando como uma lição de humanidade, escrita com uma sabedoria única, provocativa e proverbial.


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