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Dólar moveu luta armada, diz Alan Pauls

Em 'História do Dinheiro', escritor argentino analisa papel essencial da moeda para a esquerda nos anos 1970

Romance sobre garoto que vê a ruína financeira dos pais encerra trilogia que investiga a Argentina

SYLVIA COLOMBO DE SÃO PAULO

No novo romance do argentino Alan Pauls, o dinheiro é abordado de um ponto de vista "pornográfico" --é sinônimo de obsessão e sedução. Mais do que isso, é trazido ao primeiro plano dos acontecimentos políticos.

Em "História do Dinheiro", que fecha uma trilogia (com "História do Pranto" e "História do Cabelo"), o objetivo é retratar os anos 70 no país.

Naqueles tempos de ditadura militar (1976-1983), o dinheiro teve papel essencial, motivando sequestros disfarçados de crimes políticos.

Estava, como ainda está hoje, no centro da vida dos argentinos, obcecados com o valor do dólar e estocando bilhetes da moeda norte-americana em casa.

Apesar dos títulos enciclopédicos, os três livros são romances com tramas diferentes. No centro deste, está um garoto cujo pai é jogador e a mãe coloca todo o seu dinheiro na construção de uma casa na praia.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

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Folha - O dinheiro esteve por trás de alguns crimes famosos dos anos 70. Por que não aparece como elemento central na narrativa da história oficial?
Alan Pauls - O dinheiro é o reprimido por excelência da política radical. Mas, para administrar a luta de liberação, era necessário ter dinheiro. A luta armada também foi uma organização financeira.
No caso argentino, o exemplo mais famoso foi o resgate que os montoneros [guerrilha peronista] exigiram por seus sequestrados mais célebres, os irmãos Juan e Jorge Born, em 1974.
Os US$ 40 milhões que cobraram são o dinheiro da esquerda mais lendário da história contemporânea argentina. Mas a ideia não é acusar a luta armada de ser "tão capitalista como o capitalismo", resposta típica da direita. Mas pensar outra vez que tipo de economias a esquerda inventou para tornar realidade seu mundo utópico pós ou transmonetário.

Tanto neste livro como em seu mais conhecido, "O Passado" (2003), existe o tema da obsessão, do vício.
A obsessão é uma leitura do mundo. Os três romances desta trilogia estão armados sobre obsessões. O pranto, o cabelo e o dinheiro. O mundo (a Argentina dos anos 70) está visto através desses elementos. Me interessa muito a combinação de delírio e de rigor que há na obsessão. O vício também é algo que volta para mim. No final do século 19, a maneira de sermos doentes (ou seja, humanos) era sermos perversos. Hoje, creio que é sermos viciados.

As perspectivas econômicas para a Argentina no próximo ano não são boas. Como vê isso na sociedade?
Não sei se o país é facilmente "normalizável". Mas isso não é necessariamente ruim. Quando a Argentina chegou à final da Copa do Mundo, as pessoas viam em Mascherano um modelo de país ideal. Ou seja, declarava-se a modéstia, a decência, o esforço, o perfil "low profile", como valores a seguir.

O que se pode esperar de um país que busca num jogador de futebol os segredos da sua salvação?
A Argentina não tem de renunciar, nem curar, nem corrigir suas extravagâncias, tem apenas que aprender a conviver com elas de uma maneira civilizada, inventiva, e, se é possível, feliz. E deve poder fazer circular com certa graça suas extravagâncias, num mundo onde, temos de admitir, não sejamos hipócritas, já não há --se é que alguma vez houve-- países "normais".


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