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Crítica romance

Herta Müller volta a expor horror de ditadura romena

Dois novos títulos da autora traduzidos no Brasil atestam que período sombrio em país natal é seu tema inescapável

MARCELO BACKES ESPECIAL PARA A FOLHA

Com a publicação de "Fera d'Alma" e "O Homem É Um Grande Faisão no Mundo", Herta Müller, Nobel de Literatura em 2009, consolida sua obra no Brasil. Os dois livros provam de vez que a Securitate, polícia secreta do ditador romeno Ceausescu, é o zahir borgiano da autora, seu tema inescapável.

Em "Fera d'Alma", quatro jovens tentam fugir à ditadura. É o segundo romance da autora e um de seus livros mais conhecidos.

O título original é "Herztier", neologismo que tenta alcançar a palavra romena inimal, fusão entre inima (coração, Herz) e animal (Tier).

No centro filosófico do romance, a tese de que todo ser humano traz um inimal dentro de si, que determina seu caráter e comportamento.

Estamos nos anos 1980. A narradora, uma tradutora romena pertencente à minoria alemã (assim como Herta Müller), conhece três rapazes, Edgar, Kurt e Georg, e com eles escreve poemas ofensivos ao regime em meio a seguidos interrogatórios.

As correspondências são controladas, pessoas desaparecem, mães estão doentes, pais foram da SS. Um conhecido é morto ao tentar fugir, os amigos perdem o emprego, só Kurt não. Georg é espancado, o tribunal não acolhe sua queixa. A narradora e Edgar deixam a Romênia e, mesmo na Alemanha, continuam ameaçados. Kurt permanece no país, mas seu destino não é menos terrível.

O romance é uma coleção de vidas que se apagam sufocadas pela Securitate num país em que até as recordações da infância são embotadas e os cânceres, literais ou metafóricos, são escondidos.

As imagens e metáforas potentes, as frases breves e as impressões sincopadas de "Fera d'Alma" se repetem em "O Homem É Um Grande Faisão no Mundo". O livro tem capítulos breves, mas nem por isso é mais fácil. Tropeça-se nas alegorias e na poesia fragmentária da autora.

O romance conta a vida arcaica num povoado romeno.

A família Windisch espera pelo passaporte que lhe permitirá buscar a vida, mais uma vez, na Alemanha. Mas os homens são faisões e têm asas curtas demais para voar. Os machos com suas penas vistosas permitem que as fêmeas, mais discretas, consigam fugir com a cria, enquanto são abatidos.

A vida é a espera por um futuro que não existe. Uma lágrima de brinquedo, com água da chuva dentro, desperta a atenção dos presentes, enquanto uma lágrima de verdade escorre sobre uma mosca que antes se refocilara num pássaro morto.

Filhas são moedas de troca para conseguir carimbos, e a personagem Amalie paga o pato na mais antiga das moedas, repetindo o destino da mãe.

Bailando entre a resignação e a rebeldia, ambas infrutíferas, o que resta ao final é sempre uma desesperança. Mais vidas apagadas. Almas feridas, feridas incuráveis.

MARCELO BACKES é escritor, professor e tradutor, autor de "Terceiro Tempo", que a Companhia das Letras publica em maio.

O HOMEM É UM GRANDE FAISÃO NO MUNDO
AUTORA Herta Müller
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Tercio Redondo
QUANTO R$ 34,50 (136 págs.)
AVALIAÇÃO bom

FERA D'ALMA
EDITORA Globo Livros
TRADUÇÃO Claudia Abeling
QUANTO R$ 34,90 (250 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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