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"Só faço cerâmica porque sei pintar", afirma Brennand

Escultor se ressente do desconhecimento sobre a sua obra em pintura e desenho, eclipsada pela cerâmica

Artista critica modelo que permite venda de tela de Beatriz Milhazes por R$ 4 mi enquanto bons pintores somem

DOS ENVIADOS A RECIFE

A autodefinição como um homem feudal, sua obra de pendor mitológico e o gosto pelo século 19 fazem crer que Francisco Brennand parou no tempo. É uma meia verdade.

No ateliê abarrotado de livros do artista veem-se volumes de autores atuais como Roberto Bolaño -por quem é encantado-, Ricardo Piglia e Enrique Vila-Matas. Discorre com propriedade sobre temas como a morte recente de Hugo Chávez e o governo Obama -gosta do americano a ponto de na última eleição ter colocado um cartaz dele na entrada da sua oficina.

Por outro lado, este homem que conviveu com Léger, Balthus (uma de suas maiores influências, com quem divide o gosto por ninfetas), Lasar Segall e Cícero Dias desdenha da arte conceitual contemporânea. "Não conheço."

(FABIO VICTOR)

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Folha - Uma passagem do filme remete a um pesadelo em que, no obituário do sr., é ignorada sua obra em pintura. O crítico Weydson Barros Leal já mencionou o "avassalador desconhecimento" dessa vertente mesmo entre o público de arte. Por que isso ocorre?

Brennand - Porque a reconstrução da oficina, este bosque sagrado que eu criei, talvez um bosque único dentro da arte moderna de qualquer parte do mundo, deu relevo ao meu trabalho cerâmico, deixando a pintura escanteada. As gerações foram se renovando, e os novos não teriam obrigação de saber o que eu fazia em 1940, 1950.

Mas o sr. se considera antes de tudo um pintor, não é isso?

Sim. Só faço cerâmica porque sei pintar. E, quando faço um mural de cerâmica, não sou um ceramista, sou um pintor pintando sobre cerâmica. Então um pintor medieval que pintava sobre madeira não era um pintor? Só veio a ser pintor quando pintava a óleo sobre tela?

A cerâmica Brennand sempre decorou residências abastadas do Recife, seja em pisos, azulejos ou objetos. Em que medida esse lado comercial do seu trabalho prejudicou sua reputação como artista?

Não vou dizer que prejudicou, mas criou ambiguidades. A importância empresarial da família muitas vezes foi motivo de mal-entendidos a respeito do meu trabalho. Por exemplo, há muita gente que pensa que sou milionário. Eu tenho irmãos milionários, mas eu não sou milionário.

Um bairro planejado de alto padrão do Recife foi batizado de Aphaville Francisco Brennand. Em nome do que o sr. autoriza homenagens assim?

Isso foi coisa que minhas filhas fizeram e já está feito. Tem outras coisas mais prejudiciais sobre as quais eu também não posso fazer nada.

Por exemplo?

Uma série de mal-entendidos a respeito de ter ou não ter dinheiro.

O sr. não é um homem rico?

Não. Luto com dificuldade para sobreviver. Vivo do meu trabalho. Não tenho rendas.

O sr. já ouviu falar em artistas contemporâneos como Damien Hirst, Jeff Koons, Cindy Shermann, Matthew Barney?

Não, não, de jeito nenhum.

E entre os brasileiros, já ouviu falar de Adriana Varejão, Tunga, Nuno Ramos, Waltércio Caldas...

Já ouvi falar, mas não conheço o trabalho.

Há obras de artistas brasileiros que atingiram R$ 4 milhões, como uma tela de Beatriz Milhazes. Conhece o trabalho dela?

Já vi. É uma que tem uns elementos decorativos, né? Isso aí é um problema de mercado. Penetrando nos segredos dos mercados nova-iorquino e internacional, das grandes galerias e casas de leilão, você está integrado. Uma vez integrado, você vai longe.

O que acha desses valores?

Deve irritar as pessoas que ainda... Por exemplo, um pintor como Siron Franco, um grande artista, admirável pintor. E outros pintores de verdade no Brasil. Aqui [em Pernambuco] tem Ismael Caldas, tem João Câmara. Esses sim, deveriam estar lá no mercado de Nova York, atingindo esses preços, e não essa que faz aqueles circulozinhos redondos se interpenetrando como se fossem bolhas de sabão.


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