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Diário de Salvador

O MAPA DA CULTURA

Nordeste universal

Bienal vê a Bahia como elo perdido das artes

ALCINO LEITE NETO

JÁ QUE, MESMO no inverno, o sol arde em Salvador, é hora de ver a 3ª Bienal de Arte da Bahia, um evento "histórico", nas palavras da crítica e curadora Lisette Lagnado.

Com trabalhos de mais de 300 artistas e colaboradores, a mostra é uma das mais ambiciosas dos últimos anos no Brasil: além de ocupar vários museus, prédios e igrejas da capital, espalha suas exposições por dez cidades do Estado.

Sua importância, porém, ultrapassa a geografia. Trata-se de um acontecimento que, por enfrentar importantes questões históricas, políticas e culturais, expande o sentido da arte e sua exibição.

A 3ª Bienal deveria ter ocorrido em 1970, levando adiante o propósito de produzir diálogos entre a cultura nordestina e a do resto do país e do mundo. A ditadura militar, porém, impediu que fosse realizada. O isolamento prevaleceu.

A nova 3ª Bienal --dirigida por Marcelo Rezende, com curadoria de Ana Pato e Ayrson Heráclito-- é o enfrentamento desse trauma e um esforço de problematizá-lo. Daí o seu aspecto desafiador, a começar pelo tema: "Tudo é Nordeste?".

A ênfase, contudo, não é regionalista. A mostra remexe em arquivos e censuras da história para tentar demonstrar como a Bahia é um elo perdido e, por isso mesmo, uma das chaves para pensar o futuro das artes plásticas no país.

As exposições numerosas estão organizadas por "seções", intituladas conforme os conceitos centrais da Bienal: Psicologia do Testemunho, Tropicalidades, Áfricas etc.

Cada seção ramifica-se em "departamentos", numa voragem classificatória tão insolente quanto evocativa: Departamento da Graça do Saber Universal, das Zonas Imateriais, do Pós- Racialismo, da Cura, da Luta Revolucionária etc. Parte das mostras forma um utópico Museu Imaginário do Nordeste.

UM ALTAR PARA KLEIN

Assim, ao mesmo tempo em que percorre Salvador, seguindo os pontos da ocupação da cidade pela Bienal, o público é incitado a fazer conexões muito provocativas.

Como ao se deparar com o "Altar de Santa Rita de Cássia", na Igreja do Pilar, que reúne três obras: de Yves Klein, do potiguar Mestre Ambrósio Córdula e do libanês Charbel-joseph H. Boutros.

A "instalação" contém um misto de humor e revelação, tanto mais se sabemos que Yves Klein (1928-62) nutria forte devoção por Santa Rita. É como se o IKB (o International Klein Blue), o sublime tom de azul criado pelo francês, tivesse sua dimensão espiritual desrecalcada, enfim, na Bahia.

ARQUIVOS DA VIOLÊNCIA

Na mostra do Arquivo Público, a questão é bem outra: revolver camadas da história de uma cultura --a baiana-- e de um prédio do século 16 que foi abrigo de jesuítas, leprosário e depois arquivo público.

Para o local foi levada parte do acervo do Museu Antropológico Estácio de Lima, com objetos recolhidos pela polícia durante décadas, incluindo espólios da luta contra o cangaço e objetos de culto da umbanda e candomblé. Curiosamente, um quadro de Di Cavalcanti fazia parte dos guardados --e está em exposição. Mas o lirismo modernista do pintor não ameniza a pesada herança dos arquivos, com seus registros de uma sociedade marcada pela escravidão, a perseguição religiosa e a violência.

É a partir desse legado que trabalham mais de uma dezena de artistas, entre eles Paulo Nazareth, Rodrigo Matheus, Paulo Bruscky, Giselle Beiguelman e Ícaro Lira.

MOSTRA INFINITA

Destacam-se ainda no evento a iluminadora exposição "PEBA & Cia." (nome que vem da fusão de Pernambuco e Bahia), com artistas experimentais dos anos 1970, no Palacete das Artes, a mostra de Dicinho e Ednizio Ribeiro Primo, no Museu Carlos Costa Pinto, e "A Reencenação", na qual o curador Fernando Oliva retoma a história das bienais de 1966 e 1968, no Mosteiro de São Bento.

Várias outras atividades e exposições estão previstas até 7 de setembro, último dia da Bienal, cuja liberdade e inquietude abrem uma frente bastante renovadora para a arte brasileira.


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