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MEMÓRIAS QUE VIRAM HISTÓRIAS

Saltimbanco à italiana

Roma, 1969

TOQUINHO

EM 1969, FIQUEI sete meses na Itália ao lado de Chico Buarque, numa época em que ele não podia voltar para o Brasil por causa da ditadura militar.

Passamos por dificuldades, fizemos shows em locais bizarros, viagens suicidas, recebemos calotes de empresários.

Quando batia mais forte a saudade, íamos até a Fontana di Trevi e preparávamos fotos para mexer com os amigos distantes. Isso aliviava um pouco a distância e a solidão. Por fim, participamos de um espetáculo cuja estrela principal era Josephine Baker. Nós, simples coadjuvantes, fazendo humildemente a primeira parte do show.

Viajamos por toda a Itália e acabei participando da gravação de um disco que, mais tarde, seria o motivo de meu encontro com Vinicius de Moraes. Além disso, desse período ao lado de Chico resultaria nossa parceria em "Samba de Orly".

Porém, apesar de todas essas vivências, a mais pitoresca delas eu vivi em Trastevere, o bairro da velha Roma onde moravam muitos brasileiros que haviam escolhido aquela cidade para ficar longe da repressão militar do Brasil.

Um dia, visitei um apartamento situado na Piazza di Santa Maria, onde se concentravam artistas amadores com suas telas, artesanatos e seus instrumentos musicais. Ficavam pintando, trabalhando, tocando músicas, angariando algum dinheiro dos transeuntes.

Subindo ao apartamento, encontrei um grupo de brasileiros às voltas com uma brincadeira de prendas: várias duplas se defrontavam num desafio de habilidades mímicas ou intelectuais. À dupla perdedora impunha-se um castigo, com a obrigação de ser cumprido à risca. Eu formava dupla com Glauber Rocha.

Num determinado momento do jogo, saímos derrotados. E lá fomos os dois para a praça desempenhar o castigo recebido: eu tocando violão, enquanto Glauber passava o pires para os que paravam. Então comecei a tocar Bach, surpreendente para os frequentadores daquela praça, acostumados com outros sons. De repente aumentava o número de pessoas ao meu redor e crescia o volume de liras no pires do Glauber.

Formou-se uma grande roda, uns já pedindo a outros que calassem a boca para melhor se ouvir o som do violão. Era muita gente e as liras já não cabiam no pires. Até que dois policiais acabaram com a seriedade daquela brincadeira, carregando violonista e comparsa para o carro, rumo à delegacia.

Para prevenir o tráfico de drogas, era proibido provocar aglomeração de pessoas em praça pública. Durante o trajeto, conseguimos explicar e nos identificar, sendo soltos depois de duas esquinas. Voltamos a pé, caindo pelas paredes, gargalhando de nós mesmos, das pessoas, e de algumas liras que conseguimos ganhar tão inesperadamente. Sinto não ter documentado esse momento humorístico, sempre relembrado como excêntrico e inusitado.


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