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Imaginação

PROSA, POESIA E TRADUÇÃO

Fragmentos amorosos

SOBRE O TEXTO Os contos aqui reproduzidos fazem parte de "comum de dois" (assim mesmo em minúsculas, como todos os textos), que a escritora Noemi Jaffe lança no próximo mês, exclusivamente em e-book, pela editora e-galáxia. O livro digital reúne 60 textos curtos em formato de diálogos entre um casal.

NOEMI JAFFE

- bem, você que vive lendo, você entende o que é dialética?

- ah, não sei, mas acho que entendo. é quando uma coisa precisa do contrário dela para poder prosseguir e ainda se modificar, entende?

- tipo o quê? tipo pra poder parar de fumar eu precisaria fumar muito, até saturar o corpo de fumo e aí parar?

- é, tipo isso mesmo.

- mas duas coisas iguais também não funcionariam, nesse caso? assim, para parar de fumar, parar mesmo de fumar? isso seria uma antidialética?

- não, isso é homeopatia.

- bem, vamos pra florianópolis, fazer nada em florianópolis?

- por que florianópolis, amor? não tem lugares mais perto?

- porque é lindo esse nome, amor. quero ir pra florianópolis, porque lá deve ser a cidade das flores, onde tem abelhas que ficam voando o dia inteiro em torno das praias cheias de ondas onde surfam pessoas bonitas. vamos pra florianópolis, amor, vamos, vai.

- bem, desculpa te frustrar, mas florianópolis chama assim por causa do marechal floriano peixoto, não é por causa das flores.

- o quê? marechal floriano? quer dizer que não tem flores e abelhas e ondas com moços e moças lindas em florianópolis? só marechais fardados, desfilando pelas avenidas enquanto o povo aplaude de pé? não quero mais ir pra florianópolis, amor.

- tá certo, bem. então vamos pra holambra.

- amor, como você definiria "arte"?

- ai, você sempre com essas perguntas do nada. sei lá, por que você simplesmente não curte as coisas em vez de querer ficar sabendo o significado? e você ainda acha que eu, eu vou saber isso? os filósofos estão discutindo isso há milênios e eu vou saber a resposta?

- nossa, bem, que discurso inflamado só por causa de uma pergunta. em primeiro lugar não pedi pra você me dar "a" resposta. só perguntei como "você" definiria. em segundo lugar, quanto mais a gente sabe sobre aquilo que a gente gosta ou não gosta, mais condições a gente tem de fazer escolhas. ah, que chatice, parece que eu tô na escola. se não quiser, também não fala. só queria conversar.

- tá bom, tá bom. não precisa levar tão a sério. deixa eu ver... arte... hã.. arte. sei lá, pra mim arte é uma mistura de técnica e emoção, é isso. e mais alguma coisa, não sei, algum mistério que a gente sente quando vê alguma coisa e que eu não sei de onde vem, mas que eu e muita gente sente.

- mas quanto de técnica e quanto de emoção você acha que tem? 50% e 50% ou 30% e 70%? e a arte que não tem emoção, que é só forma?

- eu sei lá a porcentagem, amor! porcentagem não combina com arte. e arte que não tem emoção, pra mim, não é arte.

- mesmo se todo mundo aceita como arte?

- mesmo assim.

- mas e isso que eles chamam de arte conceitual? você já viu, tipo aquele quadro que diz: "isso não é um cachimbo"? aí não tem emoção e é arte!

- taí, agora você me pegou. não tinha pensado nisso, mas você tem toda razão. então não sei definir.

- já sei. acho que arte é isso mesmo: um cachimbo que não é um cachimbo, uma coisa que é sempre outra.

- não, amor, essa é a história do rio, onde nunca se entra duas vezes.

- ah, é. tinha esquecido.

- o nietzsche falou que a gente não ama o amado, que a gente ama o amor que a gente sente pelo amado.

- então pra ele não faz diferença quem a gente ama, é isso?

- é, parece que é.

- isso deve ser porque ele nunca conheceu a pessoa certa.

- ai, amor, você não consegue abstrair. eu, por exemplo, eu te amo, mas eu também amo te amar.

- ama "me" amar e não ama "o" amor. amar o fato de amar é uma coisa muito narcisista.

- você acha que o nietzsche era narcisista?

- ah, daí eu já não sei.


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