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Entrevista Michael Shaoul

Os brasileiros é que não querem investir no Brasil

Segundo o americano Michael Shaoul, existe um risco alto de que a situação econômica do país piore ainda mais

ÉRICA FRAGA DE SÃO PAULO

A combinação entre risco de recessão, perda de confiança externa e taxa de juros em alta significa que as coisas vão piorar.

Essa é a situação vivida hoje pelo Brasil segundo Michael Shaoul, presidente da gestora de recursos americana Marketfield e filósofo.

Shaoul se tornou popular na imprensa financeira americana por seus acertos em relação aos movimentos do mercado nos últimos anos.

Ele diz que os investidores estrangeiros não são os únicos que não querem investir no Brasil: "Os brasileiros não querem investir no Brasil".

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Folha - O mercado ignorou as fraquezas dos mercados emergentes nos últimos anos?

Michael Shaoul - O mercado está apenas começando a acordar para os problemas econômicos dos mercados emergentes. Só no verão do ano passado as pessoas se deram conta de que a atividade econômica nos mercados emergentes não era ótima. Mas elas culpavam a perspectiva de início de afrouxamento monetário nos EUA.

A venda atual de ativos é a primeira vez em que a história tem sido os próprios mercados emergentes. É a primeira vez que as pessoas estão começando a dizer: a situação realmente não é muito boa, a posição fiscal não é boa, as contas-correntes não estão bem, a política monetária não foi bem conduzida.

O sr. falava sobre o risco de crise nos emergentes há dois anos. Como era a reação?

Uma vez que investidores gostam de algo, vão continuar comprando. As coisas têm de se tornar realmente muito ruins para que parem.

Quando estive no Brasil em fevereiro de 2012, a maior parte dos economistas não se dava conta de que algo ruim estava acontecendo na economia brasileira. Estavam totalmente focados nos problemas na Europa.

Havia apenas um ou dois administradores de fundos que entendiam quais eram os problemas com a economia do país.

Mas isso não quer dizer que os brasileiros sejam estúpidos, quer dizer que os brasileiros são típicos. Isso também aconteceu na Turquia, aconteceu nos Estados Unidos antes da crise de 2008.

Esse atraso do mercado em se dar conta dos problemas provocou leniência nos governos?

Sim. A crise europeia levou a uma demanda massiva por ativos de crédito dos emergentes. Os investidores ainda queriam juros, mas não queriam juro europeu. Então saíram comprando juro brasileiro, juro turco e tudo mais.

Os bancos centrais dos emergentes não perceberam que, nesse contexto, suas políticas monetárias estavam frouxas. Eles se acostumaram à ideia de que você pode ter dados ruins da conta-corrente e uma moeda forte. Passaram a achar que a conta-corrente não importava mais.

Quais devem ser as consequências econômicas da turbulência atual?

O maior perigo é que os bancos centrais desses mercados estão apertando suas políticas monetárias agora ao mesmo tempo em que investidores estão tirando o dinheiro de lá. Portanto, há menos liquidez porque os estrangeiros estão saindo. E o custo da liquidez aumentou muito por causa do que os bancos centrais fizeram.

Isso é uma combinação muito ruim para a atividade econômica. E é uma combinação muito ruim para o desempenho do crédito.

O Brasil está entre os mercados emergentes mais fracos?

Sim, mas em parte porque o Brasil começou primeiro. Também acho que vocês são os que estão mais próximos do fim do ajuste. Sempre achei que a Bovespa perderia metade do seu valor, e já perdeu metade do valor em dólares e um pouco mais de um terço do valor em reais.

O problema é que, normalmente, quando os mercados atingem seu nível mais baixo, as empresas colapsam. Então, talvez o real termine acima do que esteve em 2008.

O número de brasileiros com renda alta interessados em investir fora aumentou muito nos últimos 12 meses.

Não é que os estrangeiros não queiram investir no Brasil. Os brasileiros não querem investir no Brasil.

O que esses brasileiros dizem?

Eles estão muito preocupados com a situação política. Eles se sentem muito expostos por serem ricos neste momento. Acham que as políticas econômicas são ruins e estão interessados em investir nos Estados Unidos.

O que esperamos é que os mercados se tornem ruins o suficiente a ponto de assustar os políticos e os levar a fazer as coisas certas.

O que seriam as coisas certas?

Vocês precisam de políticas mais pró-negócios. As políticas têm se tornado cada vez mais populistas e antinegócios. O governo precisa deixar a Petrobras e a Vale se administrarem por conta própria, precisa parar de usá-las para equilibrar a situação fiscal. Precisa reduzir o custo da regulação para o setor privado. E, neste momento, essa administração não parece disposta a fazer isso.

Nesses casos, o que acontece tipicamente é que você tem uma crise financeira e econômica. Com isso, ou o governo muda ou seu ponto de vista muda.

As políticas econômicas do Brasil não eram boas com Lula. Lula simplesmente teve sorte. Mas a presidente Dilma Rousseff piorou a qualidade das políticas e teve a falta de sorte de enfrentar um cenário externo pior.

E qual é a sua visão em relação à política monetária?

Eu não acho que seja bom para a economia brasileira continuar subindo a taxa de juros. Acho que a economia doméstica já está se desacelerando e, em algum momento, seria melhor deixar o real ir para onde quer ir.

O perigo é que a inflação saia de controle. É um período muito difícil. A época para corrigir a política monetária era dois, três anos atrás.

É possível que o Brasil tenha uma recessão em 2014?

Se o crescimento vai ser negativo ou positivo, não tenho certeza. Mas acho que é provável que o crescimento seja muito baixo e o desemprego aumente, mesmo que tecnicamente não ocorra uma recessão. Vocês estão na beira de uma recessão, perdendo confiança externa e com a taxa de juros subindo. Isso normalmente significa que as coisas vão piorar.

E isso terá impacto eleitoral?

Eu diria que sim, mas, para muitas pessoas, o governo tem sido um sucesso.

A razão para isso não é o desemprego baixo e a grande inclusão social?

Claro, as pessoas não votam de acordo com a economia, mas com onde elas estão. Isso explica por que o populismo é popular. O que as pessoas não entendem é que, no fim, o que é ruim para o país é ruim para elas.


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