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Saudades da Síria

Todos os dias nascem dez bebês no campo de Zaatari, na Jordânia, que soma 2 milhões de refugiados

RITA COLAÇO COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ZAATARI (JORDÂNIA)

Em Daraa, no sudoeste da Síria, a casa de Malaki ficou entregue a Deus.

"Vivíamos num segundo andar e as paredes estremeciam sempre que caía uma bomba. Talvez hoje já estejam no chão", lamenta Malaki, que aparenta ter muito mais do que seus 42 anos.

Há cinco meses, ela vive numa tenda de lona com o marido e os cinco filhos, no campo de refugiados de Zaatari, na Jordânia, perto da fronteira com a Síria.

Higiene e sanitização são agora problemas diários, mas viver entre bombas e tiroteios era pior. "A nossa vida deu uma volta de 180 graus. Tem sido muito difícil, sobretudo para os meus filhos, que têm saudades da Síria", confessa Malaki.

Zaatari abriu em julho do ano passado e foi concebido para dar abrigo a 45 mil pessoas, mas já conta com 120 mil. Espalham-se por 9.000 quilômetros quadrados, 15 mil tendas e quatro mil contêineres. A lotação do local está esgotada.

"Todas as noites estão chegando aqui entre 2.000 e 3.000 pessoas", afirma Andrew Harper, representante do Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados da Jordânia. "Estamos trabalhando com o impossível, e os países que prometeram ajuda financeira estão falhando, tanto em quantidade quanto em rapidez", denuncia.

De repente, se levanta uma nuvem de pó. O micro-ônibus do Crescente Vermelho chega a Zaatari com mais uma família. Dois homens, duas mulheres com bebês mal agasalhados no colo, meninos e meninas de vestuário esportivo, gasto pelo tempo, pés desnudos sobre chinelos rachados. Pés quase tocando no chão, numa manhã que acordou fria.

"Esse é o campo dos garotos", afirma Alexis Masciarelli, porta-voz da Unicef no campo de refugiados de Zaatari. "Mais de 60% dos refugiados sírios na Jordânia são crianças que durante meses assistiram a cenas de violência, bombardeamentos, viram vizinhos ou familiares morrendo e há muito que estão sem frequentar a escola. Estão sendo obrigadas a crescer rápido demais."

Hiba, 15 anos, chegou com a família há um mês e meio. Na Síria, ajudava a mãe a acalmar os cinco irmãos mais novos.

"Nos refugiávamos das bombas num porão transformado em abrigo. Abraçava meus irmãos e lhes dizia que o ruído de fora era apenas fogo de artifício", relembra a adolescente, que agora estuda em uma escola da Unicef.

De acordo com a organização não governamental Save The Children, 2 milhões de crianças sírias estão sofrendo de doenças graves, desnutrição ou traumas psicológicos.

Todos os dias nascem, em média, dez bebês no campo de Zaatari.

Somam-se aos 2 milhões de refugiados da Jordânia, um terço da população.

PALESTINA

A maioria veio da Palestina quando Israel se tornou um Estado em 1948. Nos últimos dois anos, chegaram mais de 370 mil sírios, fugidos de uma guerra entre as forças do regime de Bashar Assad e rebeldes.

"De um modo geral, os jordanianos são pacíficos e estão habituados a acolher refugiados", assegura o pastor Nour Sahawneh, da igreja de Al Mafraq, uma cidade no norte da Jordânia, a 20 km da fronteira síria. Mas a tolerância pode estar por um fio.

Al Mafraq é uma cidade pequena. Ou era. Há dois anos, antes do início do conflito, residiam 60 mil pessoas. Desde então, 15 mil sírios buscaram refúgio em Al Mafraq, o que representa um acréscimo populacional de 25%.

Nour reconhece que, na Jordânia, "também há pobres e muito pobres. A água é um bem escasso e os empregos começam a ser poucos para tanta gente".

Salwah Al Mohamed, 39, vive na periferia de Al Mafraq e cuida sozinha de oito filhos há cinco meses. O marido não conseguiu entrar na Jordânia. Em Aleppo, no norte da Síria, Salwah tinha uma boa casa, mas aqui paga 100 dinares por mês, mais ou menos US$ 140, por uma casa aberta ao frio. "A água entra pelo teto e as janelas estão partidas."

Fugiu da Síria assim que ouviu a primeira bomba. Um som que não esquece. Nem o filho de oito anos, Ahmed, deitado sobre um tapete persa, no pátio que o sol aquece.

Salwah explica que "Ahmed ficou com muito medo e desde então não fala". Os médicos jordanianos dizem-lhe que "só Deus sabe quando Ahmed voltará a falar. Inshallah".

Oxalá, pede Salwah, que sonha com o término da guerra e do silêncio do filho.


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