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Clóvis Rossi

Turquia ou a embriaguez do poder

Erdogan parece achar que ganhar eleição é cheque em branco, tal como alguns vizinhos do Brasil

O presidente turco, Abdullah Gül, parece ter feito a leitura mais correta dos seis dias de distúrbios em seu país: "Democracia não se limita a eleições. Demonstrações pacíficas são parte da democracia. Podemos ver os eventos recentes a partir dessa perspectiva", afirmou.

As manifestações nasceram de fato como protesto pacífico contra a construção de um shopping center na praça Taksim, mas se tornaram violentas porque a reação das forças policiais foi desproporcionalmente violenta, como o próprio governo acabou por admitir.

A posição de Gül contradiz a do primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan, que parece achar que o fato de ter sido eleito (e duas vezes reeleito) equivale a um cheque em branco que lhe permite fazer o que bem entender no intervalo entre uma eleição e outra.

Essa embriaguez com o poder está na origem dos incidentes, que fizeram saltar na mídia global uma catarata de comparações, ou com a chamada Primavera Árabe ou com o movimento "Occupy Wall Street" ou até com a Revolução de Veludo, na então Tchecoslováquia.

Exageros, como escreve Amberin Zaman, para o sítio Al-Monitor, belo posto de observação sobre o mundo árabe/muçulmano:

"A Turquia não está na iminência de uma revolução. Uma Primavera Turca não está a caminho. Erdogan não é um ditador. É um líder democraticamente eleito que tem agido de uma maneira crescentemente antidemocrática. E, como o próprio Erdogan reconhece, seu destino será decidido nas urnas, não nas ruas".

É isso. Não se trata de um rebelião contra uma suposta islamização da Turquia nem do desejo de depor o governante. Como diz, também no Al-Monitor, Cengis Çandar, "à margem do carisma e da popularidade de Erdogan, que foi além das fronteiras turcas, sua crescente presunção e arrogância, especialmente nos últimos dois anos [ele está há 11 no poder], e seu assalto à democracia com gás pimenta provocaram uma grande explosão popular que começou em Istambul e se espalhou nacionalmente".

De fato, Erdogan embarcou em projetos que parecem megalomania, dos quais o shopping no parque adjacente à emblemática praça Taksim seja talvez o mais inocente: o premiê turco quer construir a maior mesquita do mundo, o maior aeroporto do mundo e uma terceira ponte sobre o Bósforo, que separa as partes europeia e asiática de Istambul, a única cidade do mundo com um pé em dois continentes.

Esse conjunto de projetos de desenvolvimento, sem submetê-los à consulta pública, faz com que Edhem Eldem, historiador da Universidade Bogazici, diga ao "New York Times" que, "de certa forma, eles [os governantes] estão embriagados com o poder. Perderam seus reflexos democráticos e estão retornando ao que é a essência da política turca, o autoritarismo".

Se é assim, os incidentes da praça Taksim acabam sendo uma lição para outros embriagados com o poder, aqui nas vizinhanças, como Cristina Kirchner, Nicolás Maduro, Rafael Correa e Evo Morales. São todos governantes legítimos, mas não receberam cheque em branco.


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