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Islamitas e liberais disputam futuro da região

Para analistas, polarização ameaça Primavera Árabe, que completa 2,5 anos

No entanto, alguns países, como Marrocos e Líbano, têm buscado coexistência de setores seculares e religiosos

SAMY ADGHIRNI DE TEERÃ

Dois anos e meio após o início das revoltas populares contra ditaduras, países árabes afundam num abismo de caos e violência aberto em grande parte pela disputa entre islamitas e liberais.

A sangrenta polarização se alimenta da carência democrática em sociedades esmagadas por décadas de autoritarismo, dizem à Folha analistas e diplomatas.

"Estamos num momento especialmente doloroso e trágico das revoluções", diz Dominique Moisi, do centro de estudos francês IFRI.

No Egito, epicentro político do mundo árabe, militares acabam de derrubar o governo da Irmandade Muçulmana, eleito no rastro da queda do ditador Hosni Mubarak.

O pretexto para o golpe foi a urgência de impedir um ambiente de sectarismo. Protestos de islamitas, apoiados por defensores da legalidade, foram esmagados pelos militares. Centenas morreram nas últimas semanas.

Os generais, que governaram o Egito até 2011, transferiram Mubarak de uma prisão para um hospital militar, reforçando a impressão de retorno ao antigo regime.

Na Síria, mergulha na barbárie a guerra civil entre o regime secular, que se diz guardião da laicidade e das minorias, e insurgentes sob crescente influência jihadista.

Centenas de civis, incluindo mulheres e crianças, foram massacrados na semana passada num suposto ataque com armas químicas perto de Damasco. Os dois lados se acusam pelo episódio.

A Tunísia, de onde partiu o levante regional, tem um governo religioso eleito, mas acuado entre classe média liberal hostil à islamização e ultrarradicais que já mataram dois opositores seculares.

Na vizinha Líbia, a autoridade parlamentar eleita está paralisada entre centristas e adeptos da lei islâmica, criando tensão que se acirra por disputas tribais e étnicas.

Tunisianos e líbios até hoje não conseguiram costurar uma nova Constituição.

Em todos os países atingidos pela onda revolucionária, a instabilidade derruba a economia, gerando miséria, desemprego e inflação.

"A turbulência se deve ao fato de forças rivais estarem aprendendo a lidar umas com as outras num ambiente [...] novo para elas", diz Rami Khouri, da Universidade Americana de Beirute.

Após o fim da colonização, na metade do século 20, governos autocratas se instalaram em quase todos os países árabes. Os principais opositores das ditaduras eram os islamitas, amplamente populares graças à assistência social e à retórica antirregime.

Embora não tenham deflagrado os levantes, protagonizados em sua maioria pela classe média, islamitas aproveitaram a capacidade de mobilização para se firmar no pós-revoltas. Ao chegar ao poder, porém, líderes islâmicos adotaram agendas conservadoras, que geraram uma ampla rejeição popular.

"Eles priorizaram a islamização da sociedade em vez de focar numa abordagem inclusiva e no desenvolvimento", critica Nassif Hitti, diplomata da Liga Árabe.

Hitti apoia a tomada de poder pelos militares no Egito e afirma que os protestos contra o governo islamita refletem a "legitimidade das ruas num ambiente sem democracias estabelecidas."

Youssef Belal, da Universidade Berkeley, discorda e condena os liberais por tentar minar o caminho dos islamitas. "O fato de o golpe no Egito ser aprovado pelos seculares é muito perigoso."

Belal cita o que ocorreu na Argélia, em 1991, quando militares impediram islamitas de ganhar a eleição parlamentar, deflagrando uma década de guerra civil.

Segundo Belal, o Exército egípcio poderia ter acomodado os islamitas, pavimentando um caminho para coexistência pacífica entre religiosos e segmentos ocidentalizados, como no Marrocos.

"A única solução é um acordo político", afirma, citando o processo em andamento na Tunísia. "Os islamitas no governo mudaram de atitude e adotaram uma linha conciliatória, aberta a um gabinete de união nacional."

Todas as pessoas ouvidas pela Folha admitem, porém, que a instabilidade deve se prolongar, sob olhar impotente do Ocidente, desconfortável com os islamitas mas sem disposição para se alinhar aos liberais.

"Revoluções são processos lentos. A francesa durou cem anos", diz Moisi.


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