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Análise
Governo tenta conter bomba demográfica do envelhecimento
FABIANO MAISONNAVE DE SÃO PAULOOs milhões de tragédias familiares em torno de infanticídios, abortos, esterilizações forçadas e multas pesadas não foram o principal motivo da flexibilização do rígido controle de natalidade na China. Trata-se, na lógica do governo, de desarmar uma bomba do tempo demográfica armada pela "política do filho único" rumo ao envelhecimento precoce.
A mudança anunciada é tímida. A partir de agora, casais podem ter dois filhos se pelo menos um dos cônjuges for filho único. Já existiam outras exceções: um casal de filhos únicos pode ter dois filhos, assim como famílias em áreas rurais de certas regiões do país, sobretudo se o primeiro filho for uma menina. Minorias, como uigures e tibetanos, não têm nenhuma restrição.
Antes da mudança, as regras de controle de natalidade não se aplicavam para 37% da população. Uma projeção feita pelo demógrafo Wang Feng, da Universidade da Califórnia, acrescenta só 10 milhões de famílias a esse contingente. A população chinesa conta cerca de 1,3 bilhão.
Especialistas de centros de pesquisa do governo propõem uma flexibilização maior, desde um aumento linear para dois filhos por casal até a abolição do sistema.
As propostas se baseiam em projeções de que a China, diferentemente da Europa, envelhecerá antes de se tornar rica, com impactos negativos sobre a ainda incipiente previdência social e o tamanho da força de trabalho.
No ano passado, o número de chineses em idade para trabalhar (15 a 59 anos) diminuiu pela primeira vez em meio século. Até 2030, a proporção entre trabalhadores e aposentados deve despencar dos atuais 5 por 1 para apenas 2 por 1.
Para defensores do fim do sistema, um argumento forte é o de que o alto e crescente custo da educação de um filho inibiria qualquer descontrole de natalidade.
Em Xangai, por exemplo, maior centro financeiro do país, uma campanha da prefeitura incentivou casais de filhos únicos a ter um segundo filho, e não alcançou grandes resultados.
Economistas afirmam ainda que a "política do filho único" impede o reequilíbrio da economia por meio do aumento do consumo, já que muitas famílias tendem a poupar muito para cuidar dos pais: sem irmãos para dividir a conta, um casal de filhos únicos pode ser levado a sustentar até quatro idosos.
Há, ainda, a crescente desproporção entre homens e mulheres por causa da preferência por um filho do sexo masculino. Muitos homens ficaram solteiros ou "importaram" cônjuges de países vizinhos, como o Vietnã.
Dada a avalanche de críticas internas e externas, é possível que o regime tenha iniciado o desmanche do controle de natalidade. Para além dos motivos econômicos, seria o fim de uma imensa fonte de sofrimento.