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Minha História Juliana Bonoha, 70

Por um triz

Missionária escapa do ebola na África, mas fica 21 dias confinada

DIOGO BERCITO EM MADRI

RESUMO A missionária Juliana Bonoha Bohe, 70, não se lembra do dia em que se tornou notícia na Espanha. "Devem ter me sedado", diz, sobre a operação do governo espanhol, que resgatou ela e o padre Miguel Pajares da epidemia de ebola na Libéria, onde trabalhavam. Pajares morreu em agosto, contaminado. Bohe não foi infectada pelo vírus. Leia, abaixo, a história que ela narrou à Folha, em Madri, após 21 dias de isolamento.

Há muita morte na Libéria. Escuto no rádio. Mas se meu superior disser que eu tenho que voltar, eu volto. Dizem que estão preparando a casa lá, desinfetando os quartos.

Entrei na ordem das Missionárias da Imaculada Conceição em 1964. Nasci na Guiné Equatorial [na África, durante a colonização espanhola] e vi na minha terra o que as missionárias estrangeiras faziam enquanto eu crescia.

Fui para a Libéria em 2009. Eu era responsável por organizar os armazéns. Cuidava de tudo. Comida, medicamentos. Éramos 180 trabalhadores, mas apenas três missionárias --duas enfermeiras no hospital e eu no estoque.

A preocupação com o surto de ebola começou quando o diretor do hospital onde trabalhávamos, Patrick Nshamze, ficou doente.

Disseram que o primeiro exame tinha dado negativo para o vírus, então todos ficaram contentes e foram cuidar dele. No segundo teste, disseram que ele tinha ebola. Imagine. Logo todos haviam se contaminado.

A irmã Chantal Pascaline morreu, depois Patrick, o irmão George Combey e o padre Miguel Pajares. Todos eles morreram bem rápido.

Vivia na casa da congregação com eles. Mas não tocava em ninguém. O padre Miguel Pajares gostava de sopa.

Eu fazia para ele e depois pedia que alguma outra pessoa lhe entregasse o prato.

Não pensei que eu poderia me contaminar com o ebola. Eu não era enfermeira. Disse isso quando me trouxeram para a Espanha. "Eu não tenho! [o vírus do ebola]" Mas nunca se sabe.

Todo o mundo disse que viu o equipamento de isolamento do avião na TV. Eu não vi nada. Acordei na cama do hospital Carlos 3º, em Madri. Devem ter me sedado.

Fiquei isolada por 21 dias, sozinha. As enfermeiras vinham todas vestidas [com proteção]. Eu não vi a cara de ninguém, só os olhos deles. Havia uma televisão e me traziam revistas e livros.

Foi duro deixar as outras irmãs na Libéria. Mas elas me diziam que era melhor que não morresse todo mundo junto. O padre Miguel Pajares pediu que elas fossem trazidas para a Espanha, mas não foi possível. Elas não tinham cidadania espanhola.

As instalações da congregação na Libéria são muito grandes. Eu saía muito pouco. Em geral, somente quando um sacerdote fazia alguma festa fora de lá. A comida vinha da Espanha e comíamos lá dentro.

O padre era muito querido conosco e com as pessoas que trabalhavam e estavam internados no hospital. Ia todos os dias visitar doentes. Nunca falhava.

Desde que entrei na congregação, trabalhei na Espanha, na Guiné Equatorial, em Camarões e na Libéria. O ebola foi uma das coisas mais difíceis desses 50 anos em que estou na missão.

Ouvia falar do ebola havia décadas. Era uma coisa do Congo. Eu via passando na televisão.

Quando ouvi dizer que o vírus havia infectado pessoas nas fronteiras da Libéria, soube que ele ia chegar até o país. Agora, espero que um dia essa história termine.


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