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Entrevista - Chikew Ihekweazu
É preciso conter o medo da população diante do ebola
Nigeriano QUE atendeu nos últimos meses infectados em Serra Leoa e Libéria duvida que epidemia VÁ se alastrar pelo mundo
Nos últimos meses, o trabalho do epidemiologista nigeriano Chikew Ihekweazu consistiu em atender infectados pelo ebola em Serra Leoa e na Libéria, que enfrentam uma epidemia da doença.
Consultor do Instituto Nacional de Doenças Transmissíveis, com sede na África do Sul, ele avalia que, além de combater a propagação do vírus, outro desafio é lidar com o medo da população.
Aponta ainda a razão do número expressivo de vítimas em decorrência da atual epidemia. Segundo a OMS, já são mais de 4.000 mortos.
"Antes, os casos eram detectados em áreas rurais. Agora, chegaram às zonas urbanas", disse o epidemiologista, que participou na semana passada da conferência TED Global, no Rio.
Ex-funcionário do instituto Roberth Koch, da Alemanha, e da Agência de Proteção à Saúde, da Inglaterra, o nigeriano afirmou que a melhor proteção contra o contágio "não é fechar as fronteiras, mas ajudar no tratamento das vítimas da África".
Sobre a progressão do ebola, ele subestima as chances de uma epidemia em outros países como o Brasil. "O ebola é um vírus difícil de se propagar. Não acho que a doença se alastrará pelo mundo."
Folha - Por que dessa vez há tantos infectados?
Chikew Ihekweazu - O que mudou nos últimos anos não foi o vírus, mas o contexto. Normalmente, o ebola era detectado em pequenas comunidades rurais, o que facilita o controle. Agora, os pacientes moram também em zonas urbanas. Em uma cidade como Monróvia [capital da Libéria], há favelas como as do Brasil. É muito mais difícil controlar a situação em um cenário assim.
Qual tem sido a frequência das epidemias de ebola na África?
Os surtos são raros. Nos últimos dez anos, houve cinco ou seis epidemias na África. Os casos anteriores foram registrados no centro e sul do continente, em países como Congo e Sudão. Nunca em Serra Leoa ou Libéria, ambos no oeste. Por isso, todos foram surpreendidos e não sabiam realmente o que fazer.
Qual situação o sr. encontrou nos dois países?
Libéria e Serra Leoa passaram por grande instabilidade política. São países com infraestrutura muito frágil e sistemas de saúde precários. Na Libéria, por exemplo, existe um médico para cada 100 mil pessoas. Assim como na Espanha e EUA, o grande desafio é conter o medo da população. Na Libéria e em Serra Leoa, a situação é ainda pior. Como não há confiança no sistema de saúde, muitos infectados preferem lidar sozinhos com o problema em casa. Esse é o grande risco. É dessa forma que a doença se propaga com velocidade.
A comunidade internacional demorou a agir?
Sim, e todos sabem disso. O importante é que agora há um empenho em ajudar. Investir em saúde na África não é apenas caridade. Assim como outras doenças contagiosas, o ebola não respeita fronteiras.
Ajudar as vítimas é a melhor forma de proteger o resto do mundo.
A atual epidemia pode se alastrar por outros continentes?
O ebola é um vírus difícil de se propagar. É necessário ter contato com fluidos corporais, como sangue e suor, de um paciente infectado. Além disso, o vírus não é transmitido no período de incubação, apenas quando o paciente já apresenta os sintomas. É possível surgir um ou dois casos, mas não acho que se alastrará. Na Europa, por exemplo, os funcionários usam roupas adequadas e adotam os procedimentos necessários. Com boa estrutura, é muito mais fácil conter a doença.
Se o ebola chegar ao Brasil, qual seria o conselho do sr. para as autoridades do país?
O Brasil tem profissionais muito competentes na área de saúde. A Fiocruz, por exemplo, é uma instituição de fama internacional, reconhecida por sua capacidade de lidar com doenças contagiosas.
Há investimentos na área da saúde. Cheguei a visitar uma UPA no Rio, além da Fiocruz. O sistema pode não ser perfeito, mas parece ao menos haver alguma preocupação com o assunto.
O sr. tem medo de ser infectado pelo ebola?
É um risco calculado. Na maior parte do tempo, estamos bem protegidos durante o contato com pacientes. Sendo muito sincero, um cidadão da Nigéria como eu tem muito mais risco de morrer em um acidente de carro do que contaminado por ebola.