Folha de S.Paulo

Análise

Discurso de Hu Jintao extinguiu ilusões sobre a intenção reformista dos líderes

MINXIN PEI ESPECIAL PARA A FOLHA

Para as pessoas acostumadas com a cínica opinião de que o Partido Comunista chinês na verdade deveria se chamar Partido Capitalista, o discurso de abertura do presidente Hu Jintao, que está encerrando seu mandato, no 18º Congresso do PC deve ter servido como rude lembrete de que a agremiação fundada 91 anos atrás continua a ter forte compromisso com as suas raízes ideológicas.

O discurso de Hu não foi retórica vazia. Serve para estabelecer o tom ideológico do partido e estabelece limites políticos implícitos para seus sucessores. Xi Jinping, que assumirá a liderança do partido em 15 de novembro, deve estar preocupado com o grau de autoridade que terá.

Antes do discurso, havia especulações de que Hu tentaria deixar um legado mais inspirador, apelando por reforma política como forma de combater os crescentes males chineses, como a corrupção descontrolada, a perda de legitimidade do partido e a desigualdade recorde.

Mas em vez de concessões ideológicas, ainda que só simbólicas, Hu declarou enfaticamente que o PC manterá seus princípios ideológicos e incluirá entre eles "o pensamento de Mao Tse-tung".

O termo, que provoca medo e repulsa entre os progressistas chineses, não é a única coisa que ajuda a debelar quaisquer ilusões que as pessoas possam ter sobre a intenção reformista dos líderes.

Depois de alertar sobre o risco que a corrupção endêmica representa para a sobrevivência do partido, Hu declarou que o PC jamais tomará a "estrada maligna" de mudar a cor de sua bandeira.

Analistas concordam que isso deve ser lido como ameaça aos sucessores, que não devem nem pensar em reformas que forcem o PC a abandonar seu monopólio político e adotar a democracia.

O único objetivo positivo e específico que Hu estabeleceu para seu partido nos próximos oito anos foi o de dobrar a renda per capita. No entanto, no contexto dos fortes ventos adversos que a economia chinesa terá de enfrentar nos próximos anos, é duvidoso que o partido continue a propiciar crescimento suficiente, porque dobrar a renda per capita requererá que o PIB cresça em 8% anuais.

É claro que ainda não ouvimos o que Xi tem a dizer. Comparar seu discurso -o tom e o texto- ao de Hu poderá nos dizer muito sobre suas ideias e suas intenções.

MINXIN PEI é professor de administração pública no Claremont McKenna College

Tradução de PAULO MIGLIACCI