Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

New York Times

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Fábricas burlam auditoria

Por STEPHANIE CLIFFORD e STEVEN GREENHOUSE

Os inspetores entravam e saíam de uma fábrica certificada pelo Walmart na província chinesa de Guangdong, aprovando a produção de mais de US$ 2 milhões em itens que pousariam nas prateleiras do Walmart a tempo para o Natal.

Mas o que os fiscais não sabiam é que nenhum dos itens, incluindo as fantasias de rena e os trajes de Papai Noel para cachorro, havia sido produzido na fábrica. Os operários costuravam os produtos -encomendados pelo Quaker Pet Group, de Nova Jersey- em uma fábrica que não havia passado pelo processo do Walmart para certificação quanto à qualidade, à segurança e aos direitos trabalhistas, segundo documentos e entrevistas com funcionários envolvidos. Para receber a aprovação para o envio ao Walmart, um subcontratado simplesmente levava os produtos para a fábrica certificada.

Logo depois que a mercadoria chegava às lojas Walmart, ela começava a se desmanchar.

Cerca de 2.400 km a oeste, a fábrica Rosita Knitwear, no noroeste de Bangladesh -que fabricava suéteres para companhias de toda a Europa-, passou com louvor por uma auditoria. "Condições de trabalho: nenhuma queixa dos trabalhadores", escreveram os auditores.

Em fevereiro de 2012, dez meses depois dessa inspeção, operários da Rosita vandalizaram a fábrica, acusando a direção de renegar aumentos salariais, bônus e pagamentos de horas extras que haviam sido prometidos. Alguns trabalhadores queixavam-se de ter sofrido assédio sexual e agressões por parte dos guardas. Nem um sinal dessas insatisfações foi citado no relatório da auditoria.

Uma vez que as empresas ocidentais se voltaram para países com baixos salários, distantes das suas sedes corporativas, a fim de produzir roupas, aparelhos eletrônicos e outros produtos a custo reduzido, as fiscalizações fabris se tornaram um elo vital na cadeia de suprimentos da produção no exterior.

Dara O'Rourke, especialista em cadeias globais de suprimento, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, disse que pouca coisa melhorou em 20 anos de fiscalização industrial, especialmente com o uso de inspeções mais baratas, do tipo "ticar itens", em milhares de fábricas. "Os auditores são colocados sob pressão quanto à velocidade e não são capazes de acompanhar o que realmente está acontecendo na indústria do vestuário."

No entanto, empresas importantes, incluindo Walmart, Apple, Gap e Nike, recorrem ao monitoramento não só para conferir se a produção está cumprindo prazos e possui a qualidade adequada, mas também para projetar uma imagem corporativa de que elas não usam degradantes fábricas dickensianas. Além do mais, as companhias ocidentais dependem de inspetores para descobrir condições de trabalho perigosas, como más instalações elétricas ou escadas bloqueadas, que já expuseram algumas corporações a acusações de irresponsabilidade e exploração, após desastres industriais que mataram centenas de operários.

O desabamento do edifício fabril Rana Plaza, em Bangladesh, que matou 1.129 operários em abril, intensificou o escrutínio internacional sobre o monitoramento industrial e pressionou os maiores varejistas mundiais a subscreverem acordos para endurecer padrões de fiscalização e melhorar medidas de segurança. Alguns auditores veteranos e grupos de defesa dos trabalhadores manifestaram ceticismo de que esses sistemas de inspeção bastem para garantir um ambiente de trabalho seguro.

"Fiscalizamos fábricas em Bangladesh há 20 anos. Por que essas coisas não estão mudando? Por que as coisas não estão melhorando?", disse Rachelle Jackson, diretora de sustentabilidade e inovação da Arche Advisors, grupo de monitoramento com sede na Califórnia.

Por causa da maior demanda por monitoramento, as ações de três das principais empresas de monitoramento com capital aberto -SGS, Intertek e Bureau Veritas- registraram valorização em torno de 50% nos últimos dois anos.

As inspeções têm enorme peso para os donos das fábricas, que se expõem a ganhar ou perder encomendas de milhões de dólares dependendo das suas notas. Com tanta coisa em jogo, é sabido que gerentes de fábricas muitas vezes tentam enganar ou subornar auditores. A subcontratação não autorizada de uma fábrica não aprovada é "muitíssimo comum", segundo Gary Peck, fundador e diretor-gerente do S Group, empresa de design e aquisição de produtos com sede em Portland (no Oregon).

Mesmo as inspeções realizadas em fábricas autorizadas podem ser profundamente falhas. Quando a NTD Apparel, fornecedora da Walmart com sede em Montreal, contratou uma empresa para inspecionar a fábrica Tazreen, em Bangladesh, antes da morte de 112 operários num incêndio em novembro, o questionário dos monitores perguntava se a fábrica possuía um número adequado de extintores e detectores de fumaça. Mas não perguntava se a fábrica tinha rotas de fuga em caso de incêndio.

"Se é uma inspeção de ticar itens, é melhor ter os itens corretos para verificar", disse Daniel Viederman, executivo-chefe da Verité, grupo de monitoramento sem fins lucrativos.

Um só inspetor pode visitar uma fábrica de mil empregados durante seis a oito horas para avaliar todo tipo de questão fabril. Alguns auditores recebem apenas cinco dias de treinamento, ao passo que a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional dos EUA exige três anos de treinamento e experiência auxiliando inspetores antes que seus funcionários possam comandar uma inspeção em uma fábrica americana de tamanho considerável.

No caso da Rosita, após a rebelião, a empresa proprietária, a South Ocean, conglomerado com sede em Hong Kong, encomendou uma nova inspeção.

Essa fiscalização, conduzida pela Verité, que tem sede em Massachusetts, registrou "abusos físicos em curso" e "assédio verbal e psicológico".

Viederman disse que a inspeção anterior, realizada pela SGS, demonstrou as deficiências das auditorias feitas por mera checagem de itens.

Uma folha de perguntas e respostas preparada por gestores de uma fábrica chinesa e obtida pelo "New York Times" tinha um único objetivo: burlar os inspetores. A folha, que foi distribuída a todos os empregados da fábrica, era explícita: se alguma vez um inspetor perguntasse sobre casos de lesões, os empregados deveriam responder: "Nunca ouvi falar de nenhuma lesão relacionada ao trabalho".

E se um inspetor perguntasse se há punições corporais na fábrica, o empregado deveria responder: "Não". Se os monitores inquirissem sobre trabalhadores menores de idade na fábrica, os empregados eram orientados a retrucar: "O emprego de menores de 16 anos é proibido".

Monitores e especialistas em cadeias de suprimentos dizem que, com muita frequência, os gerentes das fábricas também pregam peças nos inspetores.

Para evitar uma aparência de superlotação ilegal, uma fábrica transferiu máquinas para caminhões que ficaram estacionados no lado de fora durante a inspeção, segundo um monitor. Sempre que os inspetores apareciam em certas fábricas na China, os alto-falantes começavam a tocar determinada música, para sinalizar que os trabalhadores menores de idade deveriam correr para a porta dos fundos, segundo vários monitores. Durante inspeções na Índia, algumas fábricas exibiam complexos gráficos detalhando procedimentos de saúde e segurança, os quais, como objetos cênicos, eram transferidos de uma fábrica para outra.

Para as companhias de monitoramento com grandes clientes varejistas, o regime de auditoria pode ser incessante. A própria magnitude do território já é assombrosa -5.000 fábricas produzem roupas só em Bangladesh.

Um varejista que use mil fábricas no mundo talvez não queira pagar mais de US$ 1.000 por uma inspeção simples, o que pode significar uma auditoria de um dia conferindo itens, em vez de US$ 5.000 por minuciosas inspeções de cinco dias.

"Você tem essa intensa pressão pela redução dos preços sobre essas firmas de inspeção, transformando seu negócio em commodity", disse O'Rourke, da Universidade da Califórnia, em Berkeley.

Auret van Heerden, da Associação do Trabalho Justo, entidade sem fins lucrativos que a Apple usa para monitorar as fábricas da fornecedora Foxconn na China, disse que muitos inspetores estão atarefados demais.

"Eles estão num avião e indo para uma nova cidade no dia seguinte", afirmou. "Eles não têm muito tempo para pensar a respeito ou se debruçar sobre isso."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página