Saltar para o conteúdo principal Saltar para o menu
 
 

Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria

New York Times

  • Tamanho da Letra  
  • Comunicar Erros  
  • Imprimir  

Lições de Auschwitz na cadência do rap

Por SALLY McGRANE

BERLIM - Em vários momentos dos seus shows, o rapper alemão Kutlu Yurtseven gesticula para uma colega da banda sentada recatadamente na lateral. É a deixa para Esther Bejarano, 89, uma mulher diminuta, de cabelo curto e desfiado, participar com uma canção. "Quando os Céus Voltarão a se Abrir para Mim?", é uma das favoritas, com o refrão de uma música carnavalesca local.

É uma parceria inusitada. Bejarano é uma das últimas sobreviventes da Orquestra de Meninas de Auschwitz, um conjunto exclusivamente feminino entre os muitos grupos musicais de prisioneiros de campos de concentração nazista.

Há cinco anos, na esperança de sensibilizar mais jovens com sua história e sua mensagem antifascista, Bejarano juntou-se ao Microphone Mafia, uma dupla de hip hop. Eles agora fazem shows pela Europa.

A música combina canções como o pungente hino de resistência iídiche "Viveremos Para Sempre", composto no gueto judeu em Vilna, com inserções de rap sobre problemas atuais, como o racismo.

As apresentações sempre começam com Bejarano lendo sua autobiografia em voz alta. Bejarano, cujo nome de batismo é Esther Loewy, nasceu em Saarlouis, na Alemanha, em 1924. A ascensão de Hitler ao poder colocou um fim ao que ela descreveu como uma "infância alegre". Quando tinha 16 anos, foi separada de sua família e internada em um campo de concentração nazista nos arredores de Berlim. Seus pais foram deportados no mesmo ano para Riga, na Letônia, onde foram fuzilados.

Em 1943, Bejarano foi deportada para Auschwitz-Birkenau. Para conseguir mais comida, ela às vezes cantava para os líderes do quartel. Bejarano passou a fazer parte da orquestra do campo de concentração, tocando acordeom. A Orquestra de Meninas também tinha que tocar para os novos presos que chegavam para as câmaras de gás.

Frequentemente, as pessoas sorriam e acenavam para os músicos. "Eles deviam pensar: 'Onde tem música tocando, a coisa não pode ser tão ruim'", disse Bejarano. "Eles não sabiam aonde estavam indo. Mas nós sabíamos. Tocávamos com lágrimas nos olhos."

Depois de seis meses em Auschwitz, ela foi transferida para um campo de trabalhos forçados, porque tinha uma avó cristã. Durante uma marcha forçada, escondeu-se entre as árvores e fugiu. Depois, acabou conseguindo documentos falsos e embarcou em um navio com destino à região à época correspondente à Palestina britânica.

Alguns músicos dos campos de concentração nunca mais voltaram a pôr as mãos num instrumento. Mas Bejarano, assim que deixou a Alemanha, começou a ter aulas de canto.

Por muitos anos, ela foi incapaz de falar sobre o tempo em que viveu nos campos. Em Israel, onde passou a morar, cantava no coro de um grupo de trabalhadores e fez apresentações como soldado no Exército. Casou-se com Nissim Bejarano, caminhoneiro cuja família tinha imigrado da Bulgária. Tiveram dois filhos.

Em 1960, a família Bejarano mudou-se para Hamburgo, na Alemanha. Na década de 70 ela rompeu o silêncio, depois de testemunhar a polícia da Alemanha protegendo extremistas de direta contra manifestantes.

Ela falava nas escolas. Entrou para duas bandas, cantando músicas de resistência judaicas e canções contra a guerra. Bejarano fazia discursos de protesto contra passeatas neonazistas. E finalmente conseguiu se livrar do pesadelo recorrente de ser pisoteada por botas de soldados nazistas. "Eu me libertei internamente", disse.

O rap não é seu gênero favorito, mas Bejarano gosta das letras de seus companheiros de banda e está satisfeita com a oportunidade de se conectar com um grupo mais jovem.

No ano passado, ela criticou a tragédia ocorrida próxima à ilha italiana de Lampedusa, onde centenas de migrantes africanos que fugiam da guerra e da pobreza morreram afogados. "Vocês tem que ajudar pessoas assim", disse. "Sei disso por causa da minha irmã Ruth. Ela conseguiu chegar à Suíça, mas a guarda de fronteira a mandou de volta. Os alemães a fuzilaram."

Para Yurtseven, do Microphone Mafia, Bejarano é uma inspiração. "Às vezes fico um pouco cansado", disse. "Então olho para Esther, e penso, 'Ok, não diga que está cansado. Ela tem 89 anos e ainda está lutando por um mundo melhor'."


Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página