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New York Times

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Inteligência/Wade C. L. Williams

Sob o domínio da doença

Libéria decretou quarentena para a informação

Monróvia, Libéria

Os liberianos começaram a chamar o período entre 27 de julho e 3 de agosto de "semana escura" -194 novos casos de infecção pelo ebola e 94 novas mortes. Quanto mais escuras as coisas podem se tornar é algo que ninguém sabe ao certo.

Em Johnsonville, uma cidade pantanosa perto de Monróvia, três dúzias de cadáveres foram despejados recentemente, envoltos em sacos plásticos, em covas rasas marcadas por lápides de madeira. Depois do sepultamento, luvas brancas e outras peças de proteção se espalhavam pelo local, abandonadas às pressas pelo médico e pela equipe de sepultamento que a comunidade, apavorada, expulsou da cidade.

Enquanto isso, em Monróvia, o governo parecia avassalado e tomado pelo pânico. Só em 6 de agosto Monróvia decretou estado de emergência, permitindo que as forças armadas impusessem quarentena em amplas áreas. Medo, desinformação e negação vêm sendo muito comuns desde março, quando o surto do ebola no oeste da África atingiu a Libéria. Entre as primeiras reações do governo veio a limitação à cobertura jornalística sobre o assunto. Isso, em minha opinião, é um dos principais motivos para que o vírus tenha se espalhado com tamanha rapidez.

A primeira vez que vi uma vítima do ebola foi no final de junho, e só depois de eu insistir por autorização para cobrir um dos muitos sepultamentos que estavam supostamente ocorrendo. Quando um ministro assistente da saúde autorizou, viajei a Paynesville, perto de Monróvia, para visitar o Hospital ELWA (Eternal Love Winning Africa), onde conheci trabalhadores de organizações de assistência, entre os quais o médico Kent Brantly e a missionária Nancy Writebol, os dois norte-americanos que agora estão sendo tratados por ebola nos Estados Unidos.

Quando entrei no local, vi homens usando trajes de proteção brancos. Um deles, o que me orientaria quanto ao ritual de sepultamente, informou, aos sussurros, que o corpo estava sendo trazido. Mas um dos espectadores rebateu, dizendo: "Meu tio não morreu de ebola. Morreu de pressão alta".

A confusão reinou até que o Dr. Brantly surgisse e informasse que o corpo que estava sendo preparado para sepultamento não era vítima do ebola.

No dia seguinte, voltei ao hospital. A cena era triste. Apenas três parentes homens estavam presentes para lamentar a vítima, um homem na casa dos 20 anos. O corpo foi trazido por homens em trajes brancos, sobre uma padiola e envolto em um saco plástico. O motorista da ambulância aspergiu um fluido sobre o saco plástico, e outro homem em traje protetor abriu o zíper para permitir que os parentes vissem o corpo. Eu estava com medo, e por isso filmei o funeral de longe.

Acredito que elas tenham sido as primeiras imagens do surto de ebola a circular na Libéria, e o impacto foi imenso: por fim as pessoas começaram a acreditar que a doença era real.

Funcionários do governo dizem que o surto parece ter chegado à Libéria cinco meses atrás, quando uma mulher do norte rural do país que havia cuidado de um parente doente viajou a Monróvia, onde vomitou em um táxi e veio a morrer mais tarde.

Logo viríamos a saber que o número de casos, e mortes, estava disparando. Sabia-se que o número de casos chegava às centenas. Mas o governo advertiu os jornalistas a não se aproximarem de casos de ebola. O ministro da Saúde, Walter Gwenigale, nos disse em entrevista coletiva: "Peço a vocês que não se contaminem tentando praticar o jornalismo investigativo e se aproximar de pessoas que podem estar doentes. Nós lhes transmitiremos as informações".

Mas o efeito disso foi impor uma quarentena à informação sobre a doença, em lugar em difundir informações sobre como as pessoas poderiam se proteger contra ela. Para obter as primeiras indicações, os jornalistas tiveram de recorrer a um alerta publicado em 4 de abril pela embaixada dos Estados Unidos para os cidadãos norte-americanos, alertando contra contato com sangue, fluidos corporais ou itens contaminados.

Em maio, o avanço no número de infecções primeiro caiu e depois voltou a subir, gerando apelos pelo fechamento das fronteiras com a Guiné e a Serra Leoa. As autoridades recusaram, alegando que a economia sofreria. A justificação mais insana que ouvi foi a de que isso resultaria em aumento no preço da pimenta.

A ignorância dominava. Alguns mantiveram o ritual de banhar seus mortos; os pastores oravam pelos enfermos com suas mãos sobre os corpos. Isso resultou em mais mortes.

Então, em 25 de julho, surgiram notícias da morte, na Nigéria, de um consultor do governo liberiano, cidadão dos EUA, que havia viajado para lá apesar de mostrar sintomas da doença. Por fim percebi alguma seriedade da parte da presidente Ellen Johnson Sirleaf quanto a medidas de contenção do surto; ela declarou que Patrick Sawyer, o consultor, havia deliberadamente colocado outros países em risco. Declarou emergência nacional, ordenou o fechamento das escolas e adotou um padrão ainda mais severo de emergência. Essas medidas foram bem-vindas, mas chegaram tarde demais. As companhias de aviação estão reduzindo seus serviços. Não há final visível do surto.

Wade C. L. Williams é jornalista investigativo do site FrontPageAfrica. Envie comentários para intelligence@nytimes.com


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