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New York Times

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Vida na favela é traduzida em dança

Por MARINA HARSS

Como destacaram os protestos que cercaram a Copa do Mundo neste verão, o Brasil é um país complexo, dotado de paisagens deslumbrantes e com música saindo pelos poros, mas também cheio de pobreza e violência. É essa tensão que a coreógrafa Sonia Destri Lie, fundadora da trupe de dança contemporânea e hip-hop Companhia Urbana de Dança, procura captar em seu trabalho.

Destri estudou balé e dança contemporânea, dançou com a coreógrafa brasileira de dança e teatro Suzana Braga e coreografou para a televisão, o cinema e moda. Nos anos 1990, quando os trabalhos no Rio de Janeiro ficaram escassos, ela se mudou para Düsseldorf para ensinar.

Na Alemanha, foi apresentada ao hip-hop, que reconheceu como uma linguagem que oferecia a liberdade que ela vinha buscando. Depois de seu apartamento ser destruído num incêndio, em 1997, ela retornou ao Rio e começou a produzir eventos de hip-hop. Foi convidada para coreografar a semana de moda do Rio e o filme "Maré, Nossa História de Amor", ambientado no Rio.

Nos castings, ela se via diante de fileiras de rapazes que dançavam em trupes de bairro ou tocavam em bandas funk. A maioria vinha das favelas e, na paisagem racial e economicamente dividida do Rio, tinha poucas perspectivas de mudar de vida. Onde outros enxergavam estatísticas trágicas, Sonia Destri viu talento, potencial e desejo.Diante da sugestão de um dos bailarinos, Tiago Sousa, ela começou a pensar em formar uma companhia. Dez anos mais tarde, Sousa continua trabalhando com ela. O estilo da coreógrafa se define por uma estrutura forte, porém fluida, sequências de movimentos enxutos que destacam as transições, e não façanhas chamativas, e um diálogo entre conjuntos.

Em 2010 a companhia fez sua estreia em Nova York, no festival Fall for Dance.

Apresentou "ID: Entidades", descrito por Gia Kourlas, no "New York Times", como uma dança onírica em que "círculos levavam a nenhum destino em particular, enquanto isolamentos pipocantes de ombro começavam com força musculosa mas então se dissolviam como pó".

Os trabalhos são criados em colaboração com os dançarinos. Juntos, eles discutem ideias, contam histórias e fazem perguntas; em seguida, improvisam sequências baseadas numa linguagem comum de hip-hop.

Os dançarinos de Sonia Destri moram em bairros violentos, de acesso difícil. Vários deles levam mais de duas horas de ônibus e van para chegar aos ensaios. "Eu era muito ingênua", comentou a coreógrafa. "Ficava furiosa com os dançarinos -por que eles viviam chegando tão tarde?"

As experiências deles viraram material que dá origem às danças. "Eu. Você. Nós...

Tudo preto!", a mais recente, acaba de estrear no festival de dança Jacob's Pillow, em Becket, Massachusetts. Intitulada originalmente "Nêgo", ela explora os múltiplos significados dessa palavra, derivada de "negro". "'Nêgo' capta o racismo velado que temos no Brasil", disse a escritora de dança Emilia Spitz, carioca que mora em Londres. "Não é raro ver pessoas se tratarem afetuosamente de 'meu nego', mas ao mesmo tempo o termo pode ser pejorativo."

Sonia Destri relatou que um dia, no estúdio, um bailarino contou que se perdeu num bairro carioca de classe média e pediu uma orientação a uma mulher branca. A mulher saiu correndo.

"Olhamos fotos dos protestos, dos corpos das pessoas mortas pela polícia", Destri comentou, "e começamos a dançar isso, improvisando."

A coreografia contém imagens de luta e corrida, caos e restrição física, até de manifestantes atirando coquetéis molotov.

Nas palavras de Tiago Sousa, "estamos fazendo uma revolução com a dança".


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