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New York Times

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Inteligência/Majid Rafizadeh

Um "círculo de ouro" na Síria

Em 2009, meu tio Basem tinha empresas e organizações de consultoria espalhadas por toda Síria, países do golfo Pérsico e norte da África. Quando voltei do Irã para a Síria, ele costumava me chamar para acompanhá-lo em reuniões de negócios. Atuei como seu consultor e porta-voz, ajudando a negociar contratos com autoridades e políticos. Essas reuniões me permitiram ver como a economia síria era gerada principalmente pelo Estado e concebida para manter o patrimônio da Síria e do Irã nas mãos de um "círculo dourado".

Quando Bashar Assad assumiu o poder, já era suficientemente estadista para saber que seu regime precisava de algo além do apoio dos alauítas, que compõem apenas 12% dos 21 milhões de sírios. Para criar a ilusão de legitimidade, ele nomeou alguns membros de outras minorias e da maioria sunita para cargos governamentais e distribuiu uma pequena parcela dos benefícios econômicos para a classe empresarial em Damasco e Aleppo. Ao liberalizar alguns segmentos econômicos, Assad angariou o apoio dos empresários.

Mas grandes contratos precisavam ser aprovados pelo ministro sírio de Economia e Comércio. Se ele visse que uma empresa estava concorrendo com o Estado, impunha obstáculos que a fariam falir ou, no caso de uma companhia estrangeira, deixar o país. Funcionários públicos pegavam todos os contratos e davam o que desejavam a empresários bem relacionados. Pessoas comuns não conseguiam criar nem sequer uma microempresa.

Eu disse a Basem que não poderia mais acompanhá-lo. Eu havia acreditado que a Síria estava abrindo seus mercados, mas percebi que o Estado continuava manipulando o sistema para beneficiar apenas os membros do seu "círculo dourado", entre os quais se incluía meu tio. Vi que os ministros que fingiam trabalhar pelo povo estavam vendendo suas assinaturas para quem desse o maior lance, reforçando seus salários com propinas.

Para uma das nossas últimas reuniões de negócios, em fevereiro de 2009, Basem me convidou para ir a casa dele, uma mansão perto da fronteira com a Jordânia, onde muitos empresários sírios mantêm imóveis. Entre os convidados, estavam Maher Assad, irmão do ditador e comandante da Quarta Divisão do Exército, uma força de elite, além de dois outros parentes de Assad. Todos queriam agradar Maher, aprovando tudo o que ele falava. Fiquei sentando num canto, observando.

Lembro de Maher dizer: "Antes de a minha família chegar ao poder, este país não tinha nada. Hoje, somos uma força importante, não só no Oriente Médio, mas em todo o mundo. Antes de meu pai chegar ao poder, que tipo de vida os sírios levavam? Eram perseguidos e fracos, constantemente em guerra entre si. Não tinham liderança, não tinham direção. Não tínhamos poder. Tudo o que temos hoje -nossa estabilidade, nossa paz, nossa economia- veio diretamente da minha família, do meu pai e da nossa liderança. O povo sírio tem essa dívida conosco. Todo o mundo árabe, na verdade, tem essa dívida conosco".

Depois ele se levantou de onde estava, sentou-se ao meu lado e me disse: você é ao mesmo tempo iraniano e sírio. O Irã é o único país que fica ao nosso lado. Nós e o Irã somos um só.

Uma parte de mim estava preparando uma réplica que mencionasse as realidades do país, os crimes contra a humanidade que sua família havia cometido ou permitido e a destruição que essa aliança com o Irã acarretara. Mas outra parte me lembrava que ali, na casa de um parente, não era lugar para discutir. Também senti que dificilmente algo que eu dissesse faria a diferença.

Mas aquele discurso continuou na minha cabeça. "Saia de carro do bairro rico onde você mora", queria dizer, "e aí você vai ver como as pessoas comuns estão vivendo. A injustiça, o nepotismo e a corrupção paralisaram o país. Isso vai do mais graduado funcionário ao mais subalterno guarda de trânsito. Um pequeno grupo na classe média conseguiu acumular capital, mas muitos outros viram seu padrão de vida se deteriorar. Cerca de 25% das pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, segundo dados da ONU.Milhões de pessoas que arriscam suas vidas na guerra civil síria não estão pedindo que o governo lhes dê tudo de graça. Estão pedindo o fim da corrupção. E os custos humanos, a tortura usada pelo regime para controlar e aterrorizar sua gente? E o meu pai, que foi torturado depois de criticar o regime?"

Muitas vezes, desde então, me perguntei se eu deveria ter proferido aquele discurso. Mas eu sabia quais seriam os prováveis efeitos das minhas palavras. A mudança só poderia vir por meios práticos. Eu acreditava, mesmo na época, que a mudança seria inevitável.

O status quo e o impasse diplomático na Síria devem continuar. Mas até quando o regime poderá se sustentar com táticas horripilantes, quando o número de resistentes continua crescendo? À medida que tanta gente se solidariza com a demanda pelos valores básicos de justiça, Estado de direito e democracia, se torna cada vez mais difícil para o regime de Assad manter seu controle sobre o poder.


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