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New York Times

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CD retoma carreira de Bowie

Por SIMON REYNOLDS

Em "The Stars (Are Out Tonight)", faixa do álbum "The Next Day", que marca a retomada da carreira de David Bowie, um verso se destaca: "Nunca estaremos livres dessas estrelas".

No clipe da música, Bowie, 66, e a atriz Tilda Swinton interpretam um casal de idosos perseguidos por duas estrelas vampirescas que invadem sua casa e os manipulam como marionetes. Mas a canção é menos literal. Ela mostra as celebridades como parte de uma classe que "queima com seus sorrisos radiantes", mas também como criaturas dignas de pena, invejosas da vida estável das pessoas comuns. "Mas espero que vivam para sempre", canta ele, num aceno à noção da fama como imortalidade.

Fama e morte são temas entrelaçados que pairam sobre "The Next Day", já considerado seu trabalho mais forte em várias décadas. Imagens de degradação, de debilidade e de depressão permeiam o álbum: "Aqui estou / Não propriamente morto / Meu corpo deixado para apodrecer numa árvore oca", diz a canção que dá título ao CD.

Bowie passou a maior parte deste século sumido, enquanto a teatralidade "glam" e a torção de gêneros sexuais das quais ele foi pioneiro dominavam o pop por meio de figuras como Lady Gaga. A maioria supunha que ele havia se aposentado, estando fisicamente exausto, depois de um grave ataque cardíaco e de uma cirurgia em 2004, e criativamente esgotado, após quatro décadas se reinventando. Mas, num ataque furtivo, ele voltou em janeiro com o single "Where Are We Now?", prenúncio de "The Next Day", lançado em 12 de março.

O álbum, o primeiro em uma década, reafirma a relevância de Bowie como músico e compositor. Sombrio na temática, "The Next Day" evoca pontos altos do passado dele, especialmente "Lodger" (1979), mas as letras são extraordinariamente diretas e firmes para um artista que tantas vezes se escondeu atrás de máscaras.

Enquanto isso, sua estatura na história do pop como um artista que fez a ponte entre a arte e o rock está sendo reforçada em "David Bowie Is", retrospectiva que começa em 23 de março no Museu Victoria and Albert, em Londres. A exposição é uma celebração de seu domínio sobre todos os aspectos não auditivos do pop, como roupas e capas de discos.

No começo da sua carreira, Bowie disse duas frases célebres: "Eu me sinto como um ator quando estou sobre o palco, não como um roqueiro" e "No mínimo, talvez eu tenha ajudado a estabelecer que o rock'n'roll é uma pose."

Antes que ele surgisse, supunha-se haver uma correspondência mais ou menos direta entre um artista e a sua personalidade da vida real. Mas Bowie falava em interpretar personagens, como o deus do rock Ziggy Stardust ou o frio e remoto Thin White Duke.

Em meados dos anos 1960, ele pulou por cinco bandas e muitos estilos e visuais até se conectar com o público, por volta de 1969. Quando sua carreira decolou, as mutações ganharam nova urgência. Ele contornou a cruel rotatividade do pop transformando a si mesmo em novidade, repetidamente. Como disse em 1977: "Minha política tem sido a de que, quando um sistema ou processo funciona, ele está desatualizado. Passo para outra área".

O grande precursor e influenciador de Bowie foi Andy Warhol, que dá nome a uma música dele de 1971. Analisando Warhol, o crítico de arte Donald Kuspit escreveu sobre um "artista/ser proteu, sem núcleo" -descrição que também serviria a Bowie.

Lendo entrevistas antigas, é notável a frequência com que surgem insinuações de vacuidade, a sensação de um homem que parece superconfiante, mas que enfrenta sentimentos de dúvida e ódio a si mesmo. "Quando eu via em alguém uma qualidade que eu gostava, eu a usava depois como se fosse minha.""Não sou um inovador. Sou mesmo só uma máquina Photostat [antiga copiadora]."

Parece que "um sentimento contínuo e recorrente de inadequação" ajudou a impulsionar a incansável recriação de som e estilo.

Warhol "acreditava supersticiosamente" que a fama poderia manter a morte à distância, diz Kuspit. Quando Bowie declara em "The Stars" que "espero que elas vivam para sempre", será um gesto de solidariedade com "os mortos e os vivos"?

Você pode se reinventar repetidamente, mas a Morte, a Grande Desinventora, vai lhe alcançar. O tormento desse desconforto deu combustível à obra-prima crepuscular de Bowie.


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